A diferença entre mundos possíveis e factíveis


Olá, Dr. Craig,
Ouvi recentemente seu debate com Dayton: “Does Evil Disprove God?” [O mal prova que Deus não existe?]. Embora eu entenda claramente por que Deus não pode fazer o que é intrinsecamente (ou logicamente) impossível (i.e., criar um mundo no qual ele forçou as pessoas a escolherem livremente o bem ou o mal), não consegui compreender com clareza o que o senhor quer dizer quando afirma que não seria factível para Deus criar um mundo no qual o mal não existe, mesmo sendo, para ele, logicamente possível fazê-lo. Quando tento imaginar tais situações, elas sempre parecem se reduzir a impossibilidades intrínsecas. Por favor, explique e exemplifique o que o senhor quer dizer com Deus permitir aquilo que é mal e evitável e, todavia, inexequível para ele.
Martin


Resposta Dr. Craig:
A distinção entre mundos possíveis e factíveis é de tal ordem que se encrava no cerne da doutrina do conhecimento médio e pode ter implicações teológicas importantíssimas, como a que você destacou. A distinção terminológica foi esboçada pela primeira vez pelo filósofo Thomas Flint, mas a distinção conceitual é inerente à teoria do conhecimento médio, formulada por Luís Molina no século dezesseis.
De acordo com Molina, logicamente antes do decreto divino para criar o mundo, Deus possuía não somente o conhecimento de tudo o que poderia acontecer (seu conhecimento natural), mas também de tudo o que aconteceria de modo contingente em qualquer conjunto específico de circunstâncias de maneira específica (seu conhecimento médio). O conhecimento natural de Deus é o conhecimento que ele possui de todas as verdades necessárias. Por meio dele, Deus sabe qual é a completa multiplicidade dos mundos possíveis, ou, como você diz, dos mundos que são intrinsecamente possíveis. Ele sabe, por exemplo, que em algum mundo possível Pedro nega Jesus livremente três vezes e que em outro mundo possível Pedro afirma Jesus livremente em circunstâncias idênticas, porque ambos os casos são possíveis.
O conhecimento médio de Deus é o conhecimento que ele possui de todas as proposições condicionais contingentemente verdadeiras no modo subjuntivo, inclusive as proposições sobre as ações livres pertinentes à criatura. Por exemplo, logicamente antes do seu decreto criador, Deus sabia que, se Pedro estivesse nas circunstâncias C, ele negaria Cristo livremente três vezes. Esses tipos de condicionais subjuntivas são quase sempre denominados de contrafactuais, as quais servem para delimitar a multiplicidade dos mundos possíveis para mundos factíveis que Deus torna reais. Por exemplo, há intrinsecamente um mundo possível no qual Pedro não nega Cristo nas mesmíssimas circunstâncias em que realmente o negou; mas em razão da verdade contrafactual segundo a qual, se Pedro estivesse precisamente naquelas circunstâncias ele negaria Cristo livremente, então, o mundo possível no qual Pedro não nega a Cristo livremente nessas circunstâncias não é factível para Deus. Deus poderia forçar Pedro a não negar Cristo em tais circunstâncias, mas, desse modo, sua confissão não seria livre. Por meio de seu conhecimento médio, Deus sabe qual é o subconjunto apropriado de mundos possíveis que são factíveis para ele, em razão das contrafactuais verdadeiras.
Deus, então, decreta a criação de certas criaturas livres em certas circunstâncias. Assim, com base no seu conhecimento médio e no conhecimento de seu próprio decreto, Deus sabe de antemão tudo o que acontecerá (o livre conhecimento de Deus). Dessa forma, ele sabe, simplesmente com base em seus próprios estados internos e sem necessidade de qualquer tipo de percepção do mundo exterior, que Pedro negará Cristo livremente três vezes.
Assim, no esquema molinista temos a seguinte ordem lógica:
Momento 1. . .            O         O         O         O         O         O. . . 
Conhecimento natural: Deus conhece a multiplicidade dos mundos possíveis

Momento 2. . .                        O                     O                     O. . . 
Conhecimento médio: Deus conhece a multiplicidade dos mundos factíveis
_____________________________________________________________
Decreto criativo divino
_____________________________________________________________

Momento 3. . .                                                   O 
Livre conhecimento: Deus conhece o mundo real

Desse modo, há mundos intrinsecamente possíveis, mas que Deus, em razão das contrafactuais verdadeiras, não está apto a torná-los em realidade e, portanto, são, na terminologia de Flint, infactíveis para Deus. Observe que, uma vez que as contrafactuais da liberdade da criatura são contingentemente verdadeiras, quais mundos são ou não factíveis para Deus é também uma questão de contingência. Tudo depende do modo como as criaturas se comportarão livremente em várias circunstâncias, que estão além do controle de Deus.
Alvin Plantiga foi o primeiro filósofo contemporâneo a aplicar esse esquema ao problema do mal. Em resposta à alegação de J. L. Mackie, segundo a qual, pelo fato de ser intrinsecamente possível um mundo em que todos sempre escolhem fazer o que é moralmente certo, um Deus onipotente seria capaz de criá-lo, Plantinga assinalou que, por aquilo que se sabe tal mundo não seria factível para Deus. De fato, pelo que sabemos, todos os mundos factíveis para Deus e que envolvem a proporção de bem que o mundo real envolve, envolvem também a mesma proporção de mal. Logo, apesar de ser intrinsecamente possível um mundo com tanto bem quanto o mundo real, mas com menos ou nenhum mal em si, talvez não esteja no poder de Deus criar um mundo assim. Portanto, Deus não pode ser acusado por não ter criado esse mundo. O ateu que traz à baila o problema do mal, deveria ter de mostrar que mundos com a mesma proporção de bem e menos de mal são factíveis para Deus, o que está além da capacidade de qualquer um comprovar; é mera especulação. O ateu, portanto, não conseguiria sustentar o ônus da sua prova.
Em meu próprio trabalho, tenho tentado explorar a distinção entre mundos possíveis e factíveis ao lidar com questões como perseverança dos santos, inspiração bíblica e particularismo cristão (veja-se “Scholarly ArticlesOmniscienceChristian Particularism” [Artigos acadêmicos: onisciência; particularismo cristão]).
William Lane Craig
Originalmente publicada como: “The Difference Between Possible and Feasible Worlds”. Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/the-difference-between-possible-and-feasible-worlds. Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Cristiano Camilo Lopes.

Um comentário:

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