Como é possível Cristo ser o único caminho para Deus?


William Lane Craig
Introdução
Falei recentemente numa grande universidade canadense sobre a existência de Deus. Após a palestra, uma estudante um tanto irada escreveu no seu cartão de comentários: “Estava do seu lado até você chegar naquele assunto sobre Jesus. Deus não é o Deus cristão!”.
Essa atitude é universal na cultura ocidental hoje. A maioria das pessoas se alegra em concordar que Deus existe, mas em nossa sociedade pluralista tem-se tornado politicamente incorreto sustentar que Deus revelou a si mesmo de maneira decisiva em Jesus.
Nada obstante, é exatamente isso que o Novo Testamento ensina com toda a clareza. Consideremos as cartas do apóstolo Paulo, por exemplo. Ele convida seus convertidos gentios a lembrar-se de seus dias antes de serem cristãos: “lembrai-vos de que, no passado [...] estáveis naquele tempo sem Cristo, separados da comunidade de Israel, estranhos às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2.12). Os capítulos de abertura da carta de Paulo aos romanos se encarregam de mostrar que essa condição desolada é a situação geral da humanidade. O apóstolo explica que o poder e a divindade de Deus são dados a conhecer por intermédio da ordem criada ao nosso redor, de sorte que os homens ficam sem desculpa (1.20), e que Deus escreveu a sua lei moral no coração de todos os homens, e por isso são moralmente responsáveis diante dele (2.15). Embora Deus ofereça a vida eterna para todos quantos respondam da maneira apropriada à revelação geral de Deus na natureza e na consciência (2.7), o triste é que, em vez de adorarem e servirem ao Criador, as pessoas ignoram Deus e desdenham da sua lei moral (1.21-32). Conclusão: todos os homens estão debaixo do poder do pecado (3.9-12). Pior ainda, Paulo continua explicando que ninguém tem poder para remir a si mesmo mediante uma vida de retidão (3.19-20). Felizmente, porém, Deus providenciou uma saída: Jesus Cristo morreu pelos pecados da humanidade satisfazendo as exigências da justiça de Deus e tornando possível a reconciliação com Deus (3.21-26). Por meio de sua morte expiatória, a salvação está à disposição como dádiva recebida pela fé.
A lógica no Novo Testamento é clara: a universalidade do pecado e a singularidade da morte expiatória de Cristo significam que não há salvação fora de Cristo. Conforme proclamava o apóstolo: “não há salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não há outro nome dado entre os homens pelo qual devamos ser salvos” (Atos 4.12).
Essa doutrina particularista foi exatamente tão escandalosa no mundo politeísta do Império Romano quanto na cultura ocidental contemporânea. Por isso, os cristãos primitivos quase sempre foram alvos de severa perseguição, tortura e morte, por se recusarem a adotar uma visão pluralista religiosa. Com o tempo, todavia, como o cristianismo cresceu ao ponto de suplantar as religiões de Grécia e Roma e converter-se na religião oficial do Império Romano, o escândalo arrefeceu. Na verdade, para pensadores medievais como Agostinho e Tomás de Aquino, uma das marcas da verdadeira igreja era a sua catolicidade, ou seja, a sua universalidade. No conceito deles, parecia inacreditável que o grande edifício da igreja cristã, abrangendo toda a civilização, se fundamentasse na falsidade.
A morte dessa doutrina chegou com a chamada “expansão da Europa”, relacionada a três séculos de explorações e descobertas, estendendo-se aproximadamente de 1450 a 1750. Por meio das viagens e navegações de homens como Marco Polo, Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães, foram descobertas novas civilizações e mundos totalmente novos, que nada sabiam da fé cristã. O entendimento de que a maior parte do mundo estava de fora das fronteiras da cristandade causou um impacto duplo sobre o pensamento religioso do povo. Primeiro, o impacto tendia a relativizar as crenças religiosas. Viu-se que, longe de ser a religião universal da humanidade, a maior parte do cristianismo confinava-se à Europa ocidental, uma parte do globo. Nenhuma religião particular, segundo parecia, poderia reivindicar validade universal; cada sociedade parecia ter sua própria religião ajustada a suas necessidades peculiares. Segundo, o impacto fez a reivindicação do cristianismo — de ser o único meio de salvação — parecer cruel e estreita. Os racionalistas do Iluminismo, como Voltaire, escarneciam dos cristãos de seus dias com a perspectiva de milhões de chineses condenados ao inferno por não terem crido em Cristo, quando sequer tinham como ouvir a respeito dele. Em nossos próprios dias, o influxo de imigrantes nas nações ocidentais oriundos das ex-colônias e os avanços nas telecomunicações, que servem para reduzir o mundo a uma aldeia global, têm intensificado a nossa consciência da diversidade religiosa da humanidade. O resultado disso é que o pluralismo religioso se converteu mais uma vez na sabedoria convencional.
O problema apresentado pela diversidade religiosa
Mas qual é exatamente o suposto problema apresentado pela diversidade religiosa da humanidade? E para quem se supõe que seja um problema? Ao ler a literatura sobre a questão, o desafio recorrente parece estar posto na entrada da porta do cristão particularista. O fenômeno da diversidade religiosa leva à consideração de que o pluralismo é verdadeiro, e o debate principal passa a ser sobre que forma de pluralismo é a mais plausível. Mas por que imaginar que o particularismo cristão é insustentável diante da diversidade religiosa? Qual parece ser exatamente o problema?
Quando se examinam os argumentos favoráveis ao pluralismo, percebe-se que muitos deles quase são exemplos de falácias lógicas de livros didáticos. Por exemplo, afirma-se com muita frequência que é arrogante e imoral defender o particularismo de alguma doutrina religiosa, porque a pessoa é obrigada a considerar como erradas todas as outras que discordam da sua religião. Isso parece ser um exemplo da falácia lógica conhecida como argumento ad hominem tirado de algum livro didático, o qual procura invalidar uma posição atacando-se o caráter daqueles que a defendem. Isso é uma falácia, porque a verdade de uma posição não depende das qualidades morais daqueles que creem nela. Mesmo que todos os cristãos particularistas fossem arrogantes e imorais, isso não serviria de nada para provar que a visão deles é falsa. Não somente isso, mas por que pensar que arrogância e imoralidade sejam condições necessárias para ser um particularista? Vamos supor que eu tenha feito tudo que me foi possível para descobrir a verdade acerca da realidade e esteja convencido de que o cristianismo é verdadeiro e, portanto, abraço humildemente a fé cristã como dádiva imerecida de Deus. Acaso seria eu arrogante e imoral por acreditar naquilo que penso sinceramente que seja a verdade? Por fim, e ainda mais fundamentalmente, essa objeção é uma espada de dois gumes, uma vez que o pluralista acredita também que a visão dele é a certa e que todos os demais adeptos das tradições religiosas particularistas estão errados. Logo, se sustentar uma visão da qual muitas outras pessoas discordam significa que você é arrogante e imoral, então o próprio pluralismo poderia ser condenado como arrogância e imoralidade.
Ou, para dar outro exemplo, alega-se quase sempre que o particularismo cristão não pode estar certo porque as crenças religiosas são culturalmente relativas. Por exemplo, se um cristão tivesse nascido no Paquistão, provavelmente teria sido muçulmano. Logo, a sua crença no cristianismo não é verdadeira nem justificável. Uma vez mais, essa argumentação se parece com um exemplo da falácia genética tirado de um livro didático. Ela tenta invalidar uma posição pelo modo como a pessoa veio a defender essa posição. O fato de suas crenças dependerem de onde e quando você nasceu não importa em nada para as verdades delas. Se tivesse nascido na Grécia antiga, você provavelmente acreditaria que o sol orbitava a Terra. Acaso isso significa que a sua crença de que a Terra orbita o sol é, portanto, falsa e injustificável? É evidente que não! E, uma vez mais, o pluralista puxa o tapete de debaixo dos própios pés, pois, se tal pessoa tivesse nascido no Paquistão, muito provavelmente seria um particularista religioso. Desse modo, de acordo com a sua própria análise, o pluralismo que ele defende é mero produto do fato de ter nascido na sociedade ocidental do final do século XX e, portanto, é falso ou injustificado.
Assim, alguns dos argumentos contra o particularismo cristão encontrados com tanta frequência na literatura são bastante inexpressivos. Mas esses argumentos não são o problema, de fato. Apesar disso, acho que, quando essas objeções são respondidas pelos defensores do particularismo cristão, logo a questão verdadeira tende a vir à tona. Essa questão, penso eu, diz respeito ao destino dos incrédulos que estão fora da tradição religiosa particular defendida. O particularismo cristão consigna essas pessoas ao inferno, o que os pluralistas consideram exorbitante.
Mas que problema exatamente se supõe que há aqui? Que dificuldade há em sustentar que a salvação está ao alcance somente por intermédio de Cristo? Seria a mera hipótese de que um Deus amoroso não lançaria as pessoas no inferno? Acho que não. A Bíblia diz que Deus deseja a salvação do ser humano. “O Senhor [...] não quer que ninguém pereça, mas que todos venham a se arrepender.” (2Pe 3.9). Ou, ainda: “[Ele] deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Timóteo 2.4). É assim que Deus fala por intermédio do profeta Ezequiel:
Por acaso tenho algum prazer na morte do ímpio?, diz o SENHOR Deus. Por acaso não desejo que se converta dos seus caminhos e viva? [...] Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o SENHOR Deus; convertei-vos e vivei. [...] Dize-lhes: Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do ímpio, mas sim em que o ímpio se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; por que morreríeis, ó casa de Israel? (Ez 18.23,32; 33.11).
Aqui, Deus apela literalmente ao seu povo para que se converta de seu curso de ação autodestrutivo e seja salvo. Assim, de certa maneira, o Deus bíblico não lança ninguém no inferno. Ele deseja que todos sejam salvos, e procura atrair todas as pessoas para si mesmo. Se, por livre vontade e bem informados, tomarmos a decisão de rejeitar o sacrifício de Cristo pelo nosso pecado, então, Deus não tem escolha senão nos dar aquilo que merecemos. Deus não nos enviará para o inferno, mas nós bem podemos nos enviar para lá. Nosso destino eterno, portanto, repousa em nossas mãos. É questão de livre escolha onde passaremos a eternidade. Os perdidos, por conseguinte, são autocondenados; separam a si mesmos de Deus a despeito da sua vontade e todo seu empenho em salvá-los, e o Criador se entristece com a perdição deles.
Ora, o pluralista talvez admita que, em razão da liberdade humana, Deus não pode assegurar que todos serão salvos. Algumas pessoas podem condenar a si mesmas ao rejeitarem a salvação oferecida por Deus. Mas, poderia argumentar ele, seria injusto Deus condenar essas pessoas para sempre. Pois mesmo os pecados terríveis dos torturadores nazistas nos campos de morte também merecem somente uma punição finita. Portanto, no máximo, o inferno seria uma espécie de purgatório, durando uma extensão de tempo apropriada para cada pessoa, antes que ela fosse libertada e admitida no céu. No final, o inferno ficaria vazio e o céu, cheio. Assim, ironicamente, o inferno é incompatível não com o amor de Deus, mas com a sua justiça. A objeção acusa Deus de ser injusto porque o castigo não é proporcional ao crime.
Uma vez mais, isso não me parece ser o problema real. Pois a objeção parece falha em pelo menos duas maneiras:
(1) A objeção faz confusão entre cada pecado que cometemos e todos os pecados que cometemos. Poderíamos concordar que cada pecado individual que se comete merece apenas um castigo finito. Mas disso não se conclui que todos os pecados de alguém, considerados como um todo, mereçam apenas um castigo finito. Se alguém comete um número infinito de pecados, então a soma total de todos esses pecados merece um castigo infinito. Ora, é óbvio que ninguém comete um número infinito de pecados durante a vida terrena. Mas que tal na vida após a morte? Na medida em que os habitantes do inferno continuam a odiar e rejeitar a Deus, acumulam assim sobre si mesmos mais culpa e mais castigo. Em sentido real, o inferno é autoperpetuante. Nesse sentido, todo pecado recebe um castigo finito, mas, uma vez que o pecado continua para sempre, da mesma forma continua o castigo.
(2) Por que pensar que cada pecado recebe apenas um castigo finito? Seria possível concordarmos que pecados como roubo, mentira, adultério e assim por diante têm somente consequências finitas e, portanto, são apenas merecedores de castigo finito? Mas, em certo sentido, não são esses os pecados que separam as pessoas de Deus. Pois Cristo morreu por esses pecados, o castigo por causa desses pecados foram pagos. A pessoa precisa apenas aceitar a Cristo como Salvador para ser completamente livre e purificada desses pecados. Mas a recusa em aceitar a Cristo e seu sacrifício parece ser um pecado de ordem totalmente diferente. Pois esse pecado repudia a provisão de Deus para o pecado e dessa maneira separa definitivamente a pessoa de Deus e da salvação que ele oferece. Rejeitar a Cristo é rejeitar o próprio Deus. E, à luz do que Deus é, esse é um pecado de gravidade e proporções infinitas e, portanto, merece plausivelmente castigo infinito. Não devemos, por isso, entender primariamente o inferno como o castigo pelo conjunto de pecados que cometemos e que têm consequências finitas, mas como o castigo justo de um pecado de consequência infinita, a saber, a rejeição do próprio Deus.
Mas pode ser que o problema esteja em supor que um Deus amoroso não poderia lançar as pessoas no inferno por elas não terem informação ou estarem mal informadas a respeito de Cristo. Uma vez mais, isso não me parece o âmago do problema. Porque, segundo a Bíblia, Deus não julga as pessoas que jamais ouviram sobre Cristo com base na fé delas em Cristo. Antes, Deus as julga com base na luz da revelação geral de Deus na natureza e na consciência que elas realmente possuem. A oferta de Romanos 2.7 — “Assim, ele dará a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e imortalidade” — é oferta sincera de salvação. Isso não quer dizer que as pessoas podem ser salvas sem Cristo. Antes, quer dizer que os benefícios da morte expiatória de Cristo poderiam ser aplicados às pessoas sem que elas tivessem conhecimento consciente de Cristo. Elas seriam semelhantes a certas pessoas mencionadas no Antigo Testamento, como Jó e Melquisedeque, que não tinham conhecimento consciente de Cristo nem sequer eram membros da família da aliança de Israel e, todavia, desfrutaram de um relacionamento pessoal com Deus. De modo semelhante, poderia haver Jós contemporâneos vivendo entre o porcentual da população do mundo, os quais ainda precisam ouvir o Evangelho de Cristo.
Infelizmente, como vimos, o testemunho do Novo Testamento diz que as pessoas, de maneira geral, sequer correspondem aos padrões mais baixos da revelação geral. Portanto, há pouca base para o otimismo de que existam muitos, ou mesmo um único que seja, que serão verdadeiramente salvos só pelo modo como reagem à revelação geral na natureza e na consciência. Por isso, o problema apresentado pela diversidade religiosa não poder ser simplesmente que Deus não condenaria as pessoas que não tivessem informações sobre Cristo nem que fossem mal informadas a respeito dele.
Em vez disso, parece-me que o problema real é este: se Deus é onisciente, então ele saberia quem, por livre vontade, receberia ou não o Evangelho. Mas, então, surgem algumas questões dificílimas:
(i) Por que Deus não levou o Evangelho às pessoas que, como ele sabia, poderiam aceitá-lo se o tivessem ouvido, apesar de rejeitarem a luz da revelação geral que possuem?
Para exemplificar: imaginem um indígena americano que viveu antes da chegada dos missionários cristãos. Vamos chamá-lo de Urso Andarilho. Suponhamos que Urso Andarilho olha para o céu à noite e, ao ver a beleza da natureza em torno de si, sente que tudo isso foi feito pelo Grande Espírito. Além disso, quando Urso Andarilho olha para dentro do coração, sente ali a lei moral dizendo-lhe que todos os homens são irmãos feitos pelo Grande Espírito, e, assim, entende que devemos viver em amor uns com os outros. Mas vamos supor que em vez de adorar ao Grande Espírito e viver em amor com seu semelhante, Urso Andarilho ignora o Grande Espírito e cria totens de outros espíritos, e ao contrário de amar seu semelhante vive em egoísmo e crueldade para com os outros. Nesse caso, Urso Andarilho seria condenado justamente diante de Deus com base na sua incapacidade de corresponder à revelação natural de Deus na natureza e na consciência. Mas imagine só que, se os missionários tivessem chegado, Urso Andarilho teria crido no Evangelho e sido salvo! Nesse caso, sua salvação ou condenação parece resultado da má sorte. Não por sua culpa, calhou de ele ter nascido numa época e lugar da história em que o Evangelho não estava ainda disponível. Sua condenação é justa, mas será que um Deus oniamoroso permitiria que o destino eterno das pessoas dependesse de acidentes históricos e geográficos?
(ii) Ainda mais fundamentalmente, por que Deus criou o mundo, mesmo sabendo que tantas pessoas não acreditariam no Evangelho e estariam perdidas?
(iii) Ainda mais radicalmente, por que Deus não criou um mundo no qual todos acreditassem por livre vontade no Evangelho e fossem salvos?
O que se espera que um cristão particularista responda a essas perguntas? Será que o cristianismo não faz de Deus um Deus cruel e desprovido de amor?
O problema analisado
A fim de responder a essas questões, seria proveitoso examinar mais de perto a estrutura lógica do problema que temos diante de nós. O pluralista parece afirmar que é impossível a Deus ser onipotente e oniamoroso e ainda assim algumas pessoas jamais ouviram o Evangelho e estão perdidas, o quer dizer que as declarações a seguir são logicamente inconsistentes:
1. Deus é onipotente e oniamoroso.
2. Algumas pessoas jamais ouviram o Evangelho e estão perdidas.
Agora precisamos perguntar: por que devemos entender que (1) e (2) são logicamente incompatíveis? Afinal de contas, não há nenhuma contradição explícita entre elas. Mas, se o pluralista estiver alegando que (1) e (2) são implicitamente contraditórias, terá de assumir algumas premissas ocultas que serviriam para dar origem a tal contradição e torná-la explícita. A pergunta é: que premissas ocultas são essas?
Devo dizer que nunca vi na literatura, da parte dos pluralistas religiosos, nenhuma tentativa de identificar essas suposições ocultas. Mas vamos tentar ajudar o pluralista um pouquinho só. Parece-me que ele deve estar supondo algo como o seguinte:
3. Se Deus é onipotente, ele pode criar um mundo em que todas as pessoas ouvem o Evangelho e são salvas gratuitamente.
4. Se for oniamoroso, Deus prefere um mundo em que todos ouvem o Evangelho e são salvos gratuitamente.
Uma vez que, de acordo com (1), Deus tanto é onipotente como é oniamoroso, deduz-se que ele pode criar um mundo com salvação universal e prefere esse mundo. Logo, esse mundo existe em contradição com (2).
Pois bem, as duas premissas ocultas devem ser necessariamente verdadeiras se a incompatibilidade lógica entre (1) e (2) puder ser demonstrada. Portanto, a pergunta é: tais suposições são necessariamente verdadeiras?
Vamos considerar (3). Parece não haver controvérsia de que Deus poderia criar um mundo no qual todas as pessoas ouvem o Evangelho. Porém, uma vez que as pessoas são livres, não há nenhuma garantia de que todos nesse mundo seriam gratuitamente salvos. De fato, não há razão para achar que o equilíbrio entre salvos e perdidos em tal mundo seria minimamente melhor do que o equilíbrio no mundo real! É possível, num mundo de pessoas livres que Deus poderia criar, que algumas pessoas, por livre vontade, rejeitem a sua graça e estejam perdidas. Por conseguinte, (3) não é necessariamente verdadeira, e, logo, o argumento pluralista é falacioso.
Mas e quanto a (4)? É necessariamente verdadeira? Vamos supor, para fins de argumentação, que existam mundos possíveis factíveis para Deus nos quais todas as pessoas ouvem o Evangelho e o aceitam. Será que o ser amoroso de Deus o compeliria a preferir um desses mundos ao mundo em que algumas pessoas estão perdidas? Não necessariamente, pois os mundos que abrangem a salvação universal poderiam ter outras deficiências predominantes que os tornem menos preferíveis. Por exemplo, vamos supor que os únicos mundos nos quais todos creiam por livre vontade no Evangelho são mundos com apenas um punhado de pessoas nele, digamos, com três ou quatro. Se Deus criasse alguma pessoa a mais, então, no mínimo uma delas teria rejeitado a sua graça por livre vontade e estaria perdida. Será que ele deveria preferir um desses mundos escassamente populosos a um mundo em que multidões creem no Evangelho e são salvas, mesmo que isso signifique que outras pessoas rejeitem sua graça por livre vontade e estejam perdidas? Isso está longe de ser óbvio. Embora conceda graça suficiente para a salvação de todas as pessoas que ele cria, Deus não parece ter menos amor por preferir um mundo mais populoso, mesmo isso significando que algumas pessoas resistiriam por vontade própria ao seu esforço para salvá-las e seriam condenadas. Assim, a segunda hipótese do pluralista também não é necessariamente verdadeira, de modo que seu argumento se mostra duplamente falacioso.
Logo, nenhuma das suposições do pluralista parece ser necessariamente verdadeira. A menos que ele possa sugerir algumas outras premissas, não temos razão para entender que (1) e (2) são logicamente incompatíveis.
Podemos, porém, aprofundar o argumento mais um pouco. Podemos mostrar positivamente que é inteiramente possível Deus ser onipotente e oniamoroso e que muitas pessoas jamais ouvem o Evangelho e estão perdidas. Tudo que temos de fazer é encontrar uma declaração possivelmente verdadeira compatível com o ser onipotente e oniamoroso de Deus que signifique que algumas pessoas jamais ouvem o Evangelho e estão perdidas. Seria possível formular tal declaração? Vejamos.
Deus, como ser amoroso e bom, quer que o máximo possível de pessoas seja salvo e que delas se perca o mínimo possível. Seu objetivo, então, é alcançar o equilíbrio ótimo entre essas variáveis, para não criar mais perdidos do que o necessário para atingir certo número de salvos. Mas é possível que o mundo real (que abrange o futuro bem como o presente e o passado) tenha esse equilíbrio. É possível que, para criar o tanto de pessoas que será salvo, Deus também tenha de criar o tanto de pessoas que se perderá. É possível que, se Deus tivesse criado um mundo em que menos pessoas vão para o inferno, então, ainda menos iriam para o céu. É possível que, para alcançar uma multidão de santos, Deus tenha de aceitar uma multidão de ímpios.
Seria possível refutar que um Deus oniamoroso não criaria pessoas que ele saberia se perderiam, mas que seriam salvas se apenas ouvissem o Evangelho. Mas como sabemos que essas pessoas existem? É razoável supor que muitas pessoas que nunca ouviram o Evangelho não teriam crido nele, mesmo que o ouvissem. Suponhamos, então, que Deus ordenou o mundo de modo tão providencial que todas as pessoas que nunca ouviriam o Evangelho sejam precisamente essas. Nesse caso, quem nunca ouviria o Evangelho e está perdido teria rejeitado o Evangelho e estaria perdido, ainda que o tivesse ouvido. Ninguém, no dia do juízo, ficaria diante de Deus e se queixaria: “Muito bem, Deus, então, eu não respondi à tua revelação geral na natureza nem na consciência! Mas se apenas eu tivesse ouvido o Evangelho, teria crido nele!”. Deus, portanto, diria: “Não, eu sabia que, mesmo se tivesse ouvido o Evangelho, você não teria crido nele. Assim, o julgamento que faço de você, com base na natureza e na consciência, não é injusto nem desamoroso”.
Assim, é possível que:
5. Deus criou um mundo dotado de equilíbrio ótimo entre salvos e perdidos, e aqueles que nunca ouviram o Evangelho e estão perdidos não teriam crido nele, mesmo que o tivessem ouvido.
Desde que (5) seja mesmo possivelmente verdadeira, essa proposição mostra que não há incompatibilidade entre um Deus onipotente e oniamoroso e o fato de algumas pessoas nunca ouvirem o Evangelho e estarem perdidas.
Com base nisso, estamos agora preparados para apresentar respostas possíveis às três perguntas difíceis que deram ocasião a essa investigação. Vamos considerá-las na ordem reversa:
(i) Por que Deus não criou um mundo em que todos acreditassem por livre vontade no Evangelho e fossem salvos?
Resposta: Não seria factível para Deus criar tal mundo. Se ele fosse exequível, Deus o teria criado. Mas, em razão da sua vontade de criar criaturas com livre vontade, Deus teve de aceitar que algumas delas, por livre vontade, rejeitassem a ele e ao seu esforço de salvá-las e se perderiam.
(ii) Por que Deus criou o mundo, mesmo sabendo que tantas pessoas não acreditariam no Evangelho e estariam perdidas?
Resposta: Deus queria partilhar seu amor e companhia com pessoas criadas. Ele sabia que isso significava que muitos o rejeitariam por livre vontade e estariam perdidos. Mas sabia também que muitos outros receberiam a sua graça por livre vontade e seriam salvos. A felicidade e a bem-aventurança daqueles que livremente abraçam o seu amor não poderiam ser impossibilitadas pelos que livremente o rejeitariam. Com efeito, às pessoas que rejeitariam livremente a Deus e seu amor não se permitiria nenhum tipo de poder de veto sobre que mundos Deus está livre para criar. Deus, na sua misericórdia, ordenou providencialmente o mundo para alcançar o equilíbrio ótimo entre os salvos e os perdidos, mediante a maximização do número daqueles que o aceitam livremente e minimização do número dos que não o aceitariam.
(iii) Por que Deus não levou o Evangelho às pessoas que, como ele sabia, poderiam aceitá-lo se o tivessem ouvido, apesar de rejeitarem a luz da revelação geral que possuem?
Resposta: Essas pessoas não existem. Deus, na sua providência, organizou o mundo de tal maneira que as pessoas que responderiam ao Evangelho se o ouvissem, realmente o ouvem. O Deus soberano ordenou a história humana de modo que, à proporção que o Evangelho se espalhava da Palestina do primeiro século, ele pôs no seu caminho aqueles que haveriam de crer se o ouvissem. Uma vez que o Evangelho alcança um povo, Deus providencialmente põe lá pessoas que ele sabe responderiam ao Evangelho se o ouvissem. Em seu amor e misericórdia, Deus garante que todos quantos haveriam de crer no Evangelho se o ouvisse, não nasçam em época e lugar da história em que não podem ouvi-lo. Aqueles que não respondem à revelação geral de Deus na natureza e na consciência e nunca ouvem o Evangelho não lhe responderiam positivamente se o ouvissem. Portanto, ninguém se perde por causa de acidente histórico ou geográfico. Qualquer um que quiser ser salvo será salvo.
Essas são apenas algumas respostas possíveis às questões apresentadas. Mas, conquanto sejam mesmo possíveis, mostram que não há incompatibilidade entre o ser onipotente e oniamoroso de Deus e o fato de algumas pessoas nunca ouvirem o Evangelho e perecerem perdidas. Ademais, essas respostas são atraentes porque parecem também ser bastante bíblicas. Em seu discurso ao ar livre aos filósofos atenienses reunidos no Areópago, Paulo declarou:
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, Senhor do céu e da terra [...] Pois é ele mesmo quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas. De um só fez toda a raça humana para que habitasse sobre toda a superfície da terra, determinando-lhes os tempos previamente estabelecidos e os territórios da sua habitação, para que buscassem a Deus e, mesmo tateando, pudessem encontrá-lo. Ele, de fato, não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, nos movemos e existimos (Atos 17.24-28a).
Isso soa exatamente como as conclusões a que cheguei puramente através da reflexão filosófica sobre o assunto!
Ora, o pluralista admitiria a compatibilidade lógica do ser onipotente e oniamoroso de Deus e o fato de algumas pessoas jamais ouvirem o Evangelho e perecerem perdidas, mas insiste que, apesar disso, esses dois fatos são improváveis, um com relação ao outro. De modo geral, as pessoas parecem acreditar na religião da cultura em que foram criadas. Mas, nesse caso, o pluralista poderia argumentar que é altamente provável que, se muitos dos que nunca ouviriam o Evangelho fossem criados numa cultura cristã, teriam acreditado no Evangelho e seriam salvos. Por isso, a hipótese apresentada por nós é altamente implausível.
Agora, seria fantasticamente improvável que por puro acaso ocorresse que todas as pessoas que nunca ouviriam o Evangelho e estariam perdidas não teriam crido no Evangelho, mesmo que o tivessem ouvido. Mas a hipótese não é essa. A hipótese é que um Deus providente organizou o mundo dessa maneira. Considerando-se que é um Deus dotado do conhecimento acerca de como cada pessoa responderia livremente à sua graça em quaisquer circunstâncias em que ele a pusesse, não é totalmente implausível que Deus tenha ordenado o mundo da maneira descrita. Um mundo assim, externamente, em nada pareceria diferente de um mundo em que as circunstâncias do nascimento de alguém sejam questão de acaso. O particularista pode concordar que as pessoas geralmente adotam a religião da cultura delas e, se muitas das que nascem em culturas não cristãs tivessem, em vez disso, nascido numa sociedade cristã, teriam se tornado cristãs, culturalmente ou nominalmente. Mas isso não quer dizer que seriam salvas. É fato meramente empírico que não há características diferenciadoras, psicológicas ou sociológicas, entre quem se torna e quem não se torna cristão. Não há como predizer com exatidão, pelo exame de alguém, em que circunstâncias essa pessoa creria em Cristo para a salvação. Uma vez que um mundo ordenado por Deus se pareceria idêntico externamente com um mundo em que o nascimento da pessoa é uma questão de acidente histórico e geográfico, é difícil enxergar como a hipótese que defendi pode ser acusada de improvável sem que se demonstre que a existência de um Deus dotado desse conhecimento é implausível. Além disso, não tenho conhecimento de nenhuma dessas convincentes objeções.
Concluindo, então, o pluralista não conseguiu mostrar nenhuma inconsistência lógica no particularismo cristão. Pelo contrário, nós conseguimos provar que tal posição é logicamente coerente. Mais do que isso, considero que essa visão não é somente possível, mas é também plausível. Portanto, o fato da existência da religiosidade na humanidade não destrói o Evangelho cristão da salvação por meio de Cristo somente.
De fato, para nós cristãos, penso que o que defendi ajude a colocar na perspectiva apropriada as missões cristãs: como cristãos, temos o dever de proclamar o Evangelho ao mundo inteiro, na confiança de que Deus ordenou as coisas de maneira tão providencial que, por nosso intermédio, as Boas Novas chegarão às pessoas que Deus sabia que o aceitariam se assim o ouvissem. Nossa compaixão para com as pessoas de outras religiões do mundo expressa-se não em fingir que elas não estão perdidas sem Cristo, mas sustentando e esforçando-nos de todas as maneiras para comunicar- lhes a mensagem doadora de vida, de Cristo.
E quanto aos de nós que ainda não são cristãos, é necessário perguntar a si mesmo: estou aqui hoje por mero acidente? Foi exclusivamente por acaso que ouvi esta mensagem? Não há nenhum propósito nem razão pela qual eu esteja aqui? Ou poderia ser que Deus na sua providência trouxe-me aqui pela minha livre vontade para ouvir as Boas Novas de seu amor e perdão que ele estende para mim através de Cristo? Se assim for, qual deve ser minha reação? Ele me deu uma oportunidade, tirarei proveito dela em meu favor ou virarei as costas para ele uma vez mais e o deixarei de fora? A decisão depende de você.

Originalmente publicado como: “How Can Christ Be the Only Way to God?”. Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/how-can-christ-be-the-only-way-to-godTraduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Djair Dias Filho.
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Resposta Dr Craig:
Kelli, a sua pergunta simples e desconcertante é realmente muito profunda e importantíssima. Se vamos dar o nome de “Fé Racional” a uma organização, melhor seria termos uma ideia bem precisa daquilo que estamos falando!
Permita-me tratar da primeira parte da sua pergunta definindo os termos fundamentais. Com a palavra “razoável” quero dizer racional. Agora, para o crente, o que significa ser racional? Segundo Alvin Plantinga, o mais importante epistemólogo a escrever sobre a matéria hoje, “racional” pode ser entendido em qualquer um de dois sentidos.
Primeiro, pode significar que o crente está no que Plantinga denomina de seus “direitos epistêmicos” de adotar a crença em questão. Aqui, a ideia é que as pessoas têm certas obrigações ou deveres concernentes à sua fé. Estou na minha mesa de trabalho, diante de mim há o que parece ser um computador. Eu não estaria no meu direito de crer que aqui há um cavalo diante de mim. Essa crença seria, portanto, irracional. Por outro lado, o fato de crer que diante de mim existe um computador não fere nenhum dever intelectual e, portanto, é racional para mim. Na verdade, inclino-me a dizer que, para mim, tal crença é racionalmente obrigatória.
Uma maneira alternativa de entender o que, em termos de crença, seria racional é o que Plantinga denomina de “estrutura noética” do indivíduo. A estrutura noética é o sistema de crenças de alguém. Algumas crenças se basearão em outras e, por isso, estarão mais acima na estrutura. Entretanto, no alicerce da estrutura assenta-se um conjunto de crenças básicas, que não são inferidas de outras crenças, mas são, de imediato, consideradas verídicas nas diferentes circunstâncias existenciais da pessoa. A pessoa racional é aquela cuja estrutura noética não apresenta nenhum defeito. O exemplo de um sistema de fé defeituoso seria um no qual alguém acredita em A baseado em B e acredita em B baseado em A, apresentando assim circularidade na sua estrutura de crenças. Pode-se ainda considerar uma crença como básica, mesmo que ela não seja propriamente básica para a pessoa (digamos, acreditar, sem nenhum mínimo fundamento, na Grande Abóbora); ou talvez negar uma crença que deve realmente ser básica para a pessoa (Plantinga entende que a crença em Deus deveria ser propriamente básica para a maioria das pessoas). Quem tem uma estrutura noética defeituosa é irracional no que diz respeito à crença defeituosa. Quem adota uma crença, que não tem nenhum tipo de defeito em si mesma, é racional ao se apegar a tal crença.
No entanto, é importante observar que é muitíssimo modesto afirmar que uma crença é racional ou razoável para ser adotada por alguém. Para que seja racional para alguém, a crença não precisa sequer ser verdadeira, muito menos que prove ser verdadeira, para não falar de se saber com certeza que seja verdadeira. O indivíduo só precisa estar dentro de seus direitos epistêmicos ou não apresentar nenhuma falha na sua estrutura noética ao apegar-se a tal crença. Mas a crença poderia se revelar falsa. Isaque Newton, por exemplo, estava evidentemente dentro de seus direitos ao defender a verdade da física fundada por ele, mesmo que 300 anos depois os físicos tenham descoberto que a física newtoniana precisa ser abandonada quando se tratar de objetos se movendo a velocidades próximas à da luz. Ninguém diria que Newton era irracional, mesmo revelando-se que ele estava equivocado.
Portanto, dizer que o cristianismo é uma fé razoável é uma alegação modestíssima de fato! Afirmar isso não significa dizer que o islã e o ateísmo não sejam também crenças razoáveis. Obviamente, porém, entendo que o cristianismo não só é razoável como também é verdadeiro e que seus concorrentes são falsos. Mas meu procedimento exemplifica o que denomino de princípio de modéstia apologética. Quer dizer, em vez de se fazerem declarações extravagantes a favor da fé cristã que elevem a barreira tão alto que se torna difícil superá-la, é melhor pôr a barreira mais em baixo fazendo reivindicações bem modestas para depois saltar sobre ela com demonstrações bem mais elevadas do que o que foi alegado. Assim, você demonstra humildade cara a cara com o incrédulo e supera as expectativas dele apresentando evidências mais do que suficientes para estabelecer aquilo que você alegou com modéstia.
Então, o que quero dizer com “fé”? De novo, há duas maneiras de entender esse termo. Por um lado, poderia significar o conteúdo da religião (cristã). Nesse sentido, o termo “fé” é empregado para designar as alegações de verdade da cosmovisão cristã. Seria possível, nesse sentido, contrastarmos os princípios da fé cristã com, por exemplo, a fé islâmica. Quando falamos de fé aqui, temos em mente um conjunto de doutrinas. Nesse sentido, dizer que essa fé é razoável é sustentar que essas doutrinas são racionais para serem adotadas por alguém.
Por outro lado, pode-se considerar “fé” como o ato de crer. De acordo com o reformador protestante Martinho Lutero, fé, nesse sentido, tem três componentes. Primeiro, há a notitia, ou o entendimento. Ou seja, é indispensável entender a verdade que está sendo alegada. Segundo, há o assensus, ou o assentimento. Ou seja, é indispensável aceitar intelectualmente que a alegação é, de fato, verdadeira. Não apenas há o entendimento da alegação, mas também o assentimento e a concordância em relação a ela. Finalmente, há a fiducia, ou confiança. A fé salvadora envolve não o mero assentimento intelectual a algumas doutrinas, mas um compromisso de todo coração ou com confiança em Deus, de quem são feitas as alegações. Afirmar que a fé cristã é, nesse sentido, razoável, é o mesmo que dizer que crer no Deus na Bíblia é algo racional que alguém pode fazer. Dar o passo da fé é um passo razoável para alguém inteligente e informado.
Ao contrário de todos os irados e espalhafatosos proponentes do dito “neoateísmo”, estou convencido de que a fé cristã, assim compreendida, é eminentemente razoável.
Dito isso, fico na dúvida se respondi sua pergunta corretamente. Na verdade, talvez você não esteja querendo um esclarecimento sobre o que significa “fé razoável”, mas saber quais são os critérios para determinar se uma crença específica é ou não razoável. Se a pergunta for essa, então sugiro que dê uma olhada em “Faith and Reason” [Fé e razão] no meu livroReasonable Faith [A veracidade da fé cristã]. Para ser razoável, qualquer crença terá de ser logicamente consistente e se adequar aos fatos da experiência, sejam científicos, históricos ou o que forem. Tal consistência sistemática, como tem sido denominada, é uma condição apenas necessária à verdade de uma cosmovisão, mas pode ser também uma condição suficiente para a sua racionalidade. Para determinar a verdade da cosmovisão serão necessários, além disso, argumentos sólidos que não incorram em petição de princípio e fundamentados em premissas mais plausíveis do que a negação desses argumentos; ou será necessário um modo de conhecer tal verdade de maneira adequadamente básica. Tenho afirmado que o cristianismo, em contraste com outras crenças com as quais estou familiarizado, tem as duas coisas.
Assim, quem decide que crença é ou não razoável? Bem, obviamente, é você quem decide! Cada um de nós decide. É como disse Pascal, o jogo já está em andamento; você precisa fazer a sua aposta. Como você escolherá?
Na verdade, estou dizendo que você tem de decidir, mas não estou jamais insinuando que a sua escolha é que determina a verdade. Caso esteja perdida numa caminhada nas montanhas e tiver de escolher que via tomar numa bifurcação da trilha, isso não significaria que a sua escolha determina qual o caminho lhe levará a um lugar seguro. Pelo contrário, a trilha verdadeira já está determinada pelos fatos. Cabe a nós, porém, pesar os fatos e tomar essa grave decisão, quase sempre cheios de profunda ansiedade e incerteza.
Todavia, como cristãos, sabemos que ninguém está verdadeiramente só ao fazer a escolha de crer no evangelho. Afinal, Deus enviou o Espírito Santo para condenar o mundo e resgatar dele um povo para si mesmo. Jesus prometeu: “Se alguém quiser fazer a vontade de Deus, saberá se esse ensino é dele, ou se falo por mim mesmo” (Jo 7.17). No final, será o próprio Deus quem julgará se alguém, nas circunstâncias históricas em que viveu, tomou uma decisão racional.
William Lane Craig
Originalmente publicada como: “What is Reasonable Faith?”. Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/what-is-reasonable-faith. Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Mariú M. M. Lopes.

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O fim do mundo

William Lane Craig


Por milênios os homens se questionam se o mundo como o conhecemos chegará a um fim e, se isso acontecer, como ele terminará. No judaísmo antigo, as especulações a respeito do fim do mundo assumiam a forma de apocaliptismo, a visão de que Deus consumaria o fim da história humana exercendo juízo sobre a vida de cada pessoa e inaugurando seu Reino eterno. Essa perspectiva apocalíptica foi levada para o cristianismo primitivo pelo seu fundador, Jesus de Nazaré. Os cristãos primitivos ansiavam pelo retorno de Cristo em momento desconhecido, no futuro, quando ele inauguraria um novo céu e uma nova terra apropriados para a habitação eterna. Eis como esse evento é descrito no Apocalipse de João, o último livro do Novo Testamento:
Vi também um grande trono branco e o que estava assentado sobre ele; a terra e o céu fugiram de sua presença, e não foi achado lugar para eles. Vi os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono, e abriram-se alguns livros. Então, abriu-se outro livro, o livro da vida, e os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. O mar entregou os mortos que nele havia, e a morte e o além entregaram também os mortos que neles havia. E eles foram julgados, cada um segundo as suas obras. A morte e o inferno foram jogados no lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo. E todo aquele que não se achou inscrito no livro da vida foi jogado no lago de fogo.
Então vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra já se foram, e o mar já não existe. Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, enfeitada como uma noiva preparada para seu noivo. E ouvi uma forte voz, que vinha do trono e dizia: O tabernáculo de Deus está entre os homens, pois habitará com eles. Eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem lamento, nem dor, porque as primeiras coisas já passaram. — Apocalipse 20.11—21.4

Em razão do seu comprometimento com o apocaliptismo, uma das categorias principais da teologia cristã passou a ser a escatologia. Da palavra grega eschaton, que significa último ou final, a escatologia é a doutrina das últimas coisas, incluindo o retorno de Cristo, o último julgamento, o céu e o inferno. Por milênios, a escatologia permaneceu território exclusivo da teologia.
Durante as últimas décadas, tudo isso mudou. Agora, a escatologia passou a ser um ramo da física e, de fato, o próprio termo escatologia é a nomenclatura preferida para esse campo de estudo. A escatologia física é subdisciplina da cosmologia, a qual é o estudo da estrutura e evolução de larga escala do universo. Cosmogonia é a subdisciplina que estuda a origem e a história passada do universo. A escatologia, por contraste, é a subdisciplina que explora o futuro e o destino final do universo. Assim como a cosmogonia física olha o tempo retrospectivamente para deduzir a história do cosmos com base nos traços do passado e nas leis da natureza, assim também a escatologia cósmica olha o tempo prospectivamente para predizer o futuro do cosmos com base nas condições do presente e nas leis da natureza. O desafio para os interessados na interligação de teologia e ciência é como chegar a uma perspectiva integrada acerca do futuro do mundo que seja adequada tanto aos interesses da teologia como aos da ciência.
A chave da escatologia física é a segunda lei da termodinâmica. Em meados do século XIX, vários físicos tentaram formular uma lei científica que submetesse a uma regra geral todos os diferentes processos irreversíveis encontrados no mundo. O resultado de seus esforços é agora conhecido como a segunda lei da termodinâmica. Da maneira que foi inicialmente formulada por Clausius, ela declarava que o calor se propaga somente de um ponto de temperatura alta para um ponto de temperatura baixa; no sentido contrário, isso jamais é possível sem que haja compensação. Mas o calor é apenas um exemplo de uma tendência ainda mais geral para o nivelamento na natureza; o mesmo é verdade, por exemplo, para gases e eletricidade. Sem essa tendência geral ao nivelamento, a vida seria totalmente impossível. Por exemplo, por causa desse nivelamento, o ar de uma sala nunca se separa de repente em oxigênio num extremo e nitrogênio no outro. Também é por isso que, ao entrarmos no banho, podemos ter a certeza de que a água estará agradavelmente morna, e não congelada num ponto e fervendo em outro. É fácil constatar que a vida não seria possível em um mundo no qual a segunda lei da termodinâmica não vigorasse.
O físico alemão Ludwig Boltzman aprofundou o nosso entendimento da segunda lei ao mostrar que essa tendência ao nivelamento se fundamenta na tendência de qualquer sistema para passar de um estado menos provável para um mais provável. De acordo com Boltzman, a probabilidade de um estado é uma função da sua ordem: estados mais ordenados são menos prováveis, e estados menos ordenados são mais prováveis. O estado mais provável é, portanto, um estado totalmente desordenado, ou seja, um estado completamente indiferenciado. A segunda lei poderia ser formulada assim: todos os sistemas têm a tendência de passar de um estado mais ordenado para um menos ordenado.
Um terceiro passo importante no desenvolvimento da segunda lei foi a compreensão de que a desordem está associada com a entropia, ou a medida da energia inutilizável: quanto maior a desordem maior a entropia. Isso resultou numa terceira formulação da lei: todos os sistemas têm a tendência de passar de um estado de entropia mais baixa para um estado de entropia mais alta. Para excluir a possibilidade de vazamento de energia de um sistema para o seu entorno ou a possibilidade de aquisição de energia a partir dele, exige-se uma condição adicional: o sistema tem de ser fechado. ISSO leva a uma quarta formulação da segunda lei: em sistemas fechados, processos em andamento espontâneo são sempre acompanhados de um crescimento da entropia. Assim, processos que ocorrem em sistemas fechados tendem a um estado de equilíbrio. A lei nessa forma é praticamente evidente. Para ilustrar: a probabilidade de todas as moléculas em um litro de gás ocuparem somente 99,99% do volume em vez de 100% é cerca de 1:1010(20). Para todos os propósitos práticos, portanto, a segunda lei da termodinâmica deve ser considerada como certa.
Ora, o interesse do cosmólogo nessa lei tem a ver com o que ela prediz quando aplicada ao universo como um todo. Pois o universo é, ao menos numa visão naturalista, um gigantesco sistema fechado, uma vez que ele é tudo o que existe e não existe nada fora dele. Já no século XIX, os cientistas compreenderam que a aplicação da segunda lei ao universo como um todo implicava uma lúgubre conclusão escatológica: havendo tempo suficiente, o universo atingirá por fim um estado de equilíbrio e sofrerá “morte térmica”. Uma vez que alcance a morte térmica, nenhuma mudança mais é possível. P. J. Zwart descreve tal estado:
[...] de acordo com a segunda lei, o universo todo deve alcançar finalmente um estado de máxima entropia. Ele estará, portanto, em equilíbrio termodinâmico; em toda parte a situação será exatamente a mesma, com a mesma composição, a mesma temperatura, a mesma pressão, etc., etc. Não haverá mais nenhum objeto, mas o universo consistirá num gás imenso de composição uniforme. Por causa do seu equilíbrio completo, nada absolutamente acontecerá jamais. A única maneira como um processo pode começar num sistema em equilíbrio é por uma ação externa, mas uma ação de fora é obviamente impossível se o sistema em questão for todo o universo. Portanto, no seu futuro estado de entropia máxima, o universo estaria em repouso absoluto e em trevas totais, e nada poderia perturbar o silêncio mortal. Ainda que houvesse a possibilidade de ocorrer um pequeno desvio do estado de equalização absoluta ele se sumiria rapidamente de novo. Uma vez que quase toda a energia teria sido degradada, ou seja, convertida na energia cinética das partículas existentes (calor), esse suposto estado futuro do universo, que também será o seu último estado, é denominado de morte térmica do universo.1
Portanto, a consequência da segunda lei é que o universo encara a extinção inevitável.
O advento da teoria da relatividade e a sua aplicação à cosmologia alterou a configuração do cenário escatológico predito com base na segunda lei da termodinâmica, mas não afetou fundamentalmente o resultado. Assumindo-se que não existe nenhuma constante cosmológica positiva alimentando a expansão do universo, essa expansão desacelerará com o passar o tempo. Apresentam-se, então, dois panoramas escatológicos radicalmente diferentes. Se a densidade do universo ultrapassar determinado valor crítico, então o impulso interno da própria gravidade do universo superará finalmente a força de expansão e o universo ruirá sobre si mesmo num feroz big crunch [“grande implosão”]. Beatrice Tinsley descreve tal cenário:
Se a densidade média da matéria no universo for grande o bastante, a atração gravitacional mútua entre os corpos finalmente desacelerará a expansão até que ela pare. O universo, então, se contrairá e implodirá numa bola de fogo violento. Não há nenhum mecanismo físico conhecido que possa reverter o catastrófico big crunch. Evidentemente, se o universo se torna denso o suficiente, encontra-se em morte térmica.2
Se o universo está destinado à recontração, então, à medida que ele se contrai, as estrelas ganham energia, fazendo-as se queimarem mais rapidamente a ponto de finalmente explodirem ou se evaporarem. Como no universo tudo existe muito próximo um do outro, os buracos negros começam a sorver vorazmente tudo ao seu redor, e por fim passam a se aglutinar. Em tempo: “Todos os buracos negros finalmente aglutinam-se em um imenso buraco negro que é coexistente com o universo”, do qual o universo jamais reemergirá.3 Não há física conhecida que possa permitir ao universo retornar a uma nova expansão anterior à singularidade final ou a passar através da singularidade para um estado subsequente.
Por outro lado, se a densidade do universo for igual ou menor do que o valor crítico, a gravidade não superará a força de expansão e o universo se expandirá para sempre em ritmo progressivamente mais lento. Tinsley descreve o destino desse universo:
Se o universo tiver baixa densidade, a sua morte será fria. Ele se expandirá para sempre em ritmo cada vez mais lento. As galáxias converterão todo o seu gás em estrelas e as estrelas queimarão até se apagarem. Nosso próprio sol se tornará um remanescente frio e morto flutuando em meio aos cadáveres de outras estrelas numa Via Láctea cada vez mais isolada.4
Dentro de 1030 anos, o universo consistirá de 90% de estrelas mortas, 9% de buracos negros supermaciços formados por galáxias implodidas, e 1% de matéria atômica, principalmente hidrogênio. A física das partículas elementares sugere que, depois disso, os prótons decairão para elétrons e pósitrons, de modo que o espaço ficará cheio de um gás rarefeito tão diluído que a distância entre um elétron e um próton será aproximadamente do tamanho da galáxia atual. Daqui a 10100 anos, alguns cientistas acreditam que os próprios buracos negros se dissiparão em decorrência de um estranho efeito predito pela mecânica quântica. A massa e a energia associadas a um buraco negro deformam o espaço de tal maneira que criam um “túnel” ou “buraco de minhoca” através do qual a massa e a energia são ejetadas em outra região do espaço. À proporção que a massa de um buraco negro decresce, sua perda de energia se acelera a ponto de se dissipar finalmente em radiação e partículas elementares. No final, todos os buracos negros se evaporarão completamente e toda a matéria no universo sempre em expansão será reduzida a um tênue gás de partículas e radiação elementares. Devido ao volume constantemente crescente do espaço, o universo jamais chegará de fato ao equilíbrio, uma vez que haverá sempre mais espaço para a produção de entropia. Apesar disso, o universo se tornará cada vez mais frio, escuro, diluído e morto.
Descobertas bem recentes fornecem evidências vigorosas de que existe efetivamente uma constante cosmológica que faz a expansão cósmica acelerar, em vez de desacelerar. Paradoxalmente, uma vez que o volume do espaço cresce exponencialmente, permitindo mais espaço para a posterior produção de entropia, na verdade, com o passar do tempo, o universo fica cada vez mais distante de um estado de equilíbrio. Mas a aceleração apenas apressa a desintegração do cosmos em partículas materiais cada vez mais isoladas não mais ligadas de maneira causal com remanescentes do universo em expansão igualmente abandonados. Portanto, o futuro soturno predito com base na segunda lei permanece fundamentalmente inalterado.
A reflexão acerca dessa conclusão escatológica levou alguns filósofos a questionar o sentido da própria vida. Numa célebre passagem, o filósofo britânico Bertrand Russell lamentou:
Que o homem é produto de causas que não tinham previsão do fim que alcançariam; que sua origem, seu crescimento, suas esperanças e temores, seus amores e crenças, são apenas consequências do posicionamento acidental de átomos; que nenhum fogo, nenhum heroísmo, nenhuma intensidade de pensamento e sentimento, tem o poder de preservar a vida de alguém além da sepultura; que todos os labores das eras, toda devoção, toda inspiração, todo brilhantismo meridiano do gênio humano estão destinados à extinção na morte desmedida do sistema solar, e que todo o templo da conquista humana tem de ser inevitavelmente sepultado sob os escombros de um universo em ruínas — todas essas coisas, senão totalmente indiscutíveis, são quase tão infalíveis que nenhum filósofo que as rejeita pode ter a esperança de durar. Somente cercada pelos andaimes dessas verdades, somente sobre o firme fundamento da obstinada falta de esperança, é possível, de agora em diante, edificar de maneira segura a habitação da alma.5
Uma imagem realmente desoladora, mas, como Freeman Dyson nos lembra, as predições da escatologia física estão sujeitas à condição de que agentes racionais não interfiram nos processos naturais vislumbrados.6 Se os seres inteligentes forem significativamente capazes de manipular processos naturais, o futuro real do cosmos poderá parecer bem diferente da trajetória predita com base nas leis e condições atuais. A própria tentativa de Dayson para montar um cenário pelo qual agentes imanentes possam protelar a extinção é, sem dúvida, desesperada e implausível.7 Mas por que deveríamos restringir a nossa atenção a agentes imanentes? Os teístas acreditam na existência de um ser inteligente que é o Criador do universo espaço-temporal e que transcende as leis que governam a criação física. Na visão cristã, Deus consumará o fim da história humana e do cosmos atual quando ele achar apropriado (Mc 14.32; Mt. 24.43; 1Ts 5.2; Hb 1.10-12; 2Pe 3.10; Ap 3.3). Ele não permitirá que ocorram eventos preditos com base nas tendências atuais ainda num futuro relativamente próximo, como a extinção da raça humana, muitos menos eventos num futuro insondavelmente distante, como a extinção estelar ou a decomposição do próton. Antes que seja possível acontecer esses eventos, Deus agirá para pôr fim à história humana e introduzir os novos céus e a nova terra (1Co 15.51-52; 1Ts 4.15-17; Ap 21.1).
A escatologia teológica, portanto, considera os achados da escatologia física, na melhor hipótese, como projeções do curso dos eventos futuros, e não como descrições reais. Elas nos dizem com exatidão aproximada o que aconteceria se agentes inteligentes não interferissem. Assim, os achados da escatologia física não são de nenhum modo incompatíveis com a escatologia cristã, uma vez que envolvem condições implícitas de que tudo o mais não se altera com respeito às ações de seres inteligentes, inclusive de Deus.
Obviamente, os escatólogos físicos talvez perguntem se há alguma razão para considerar com seriedade a hipótese de um agente transcendente racional com o poder indispensável sobre o curso da natureza para afetar as trajetórias projetadas da escatologia física. É curioso, mas a própria escatologia física supre os fundamentos para se levar a sério essa hipótese. Conforme vimos, já no século XIX, os cientistas compreenderam que a aplicação da segunda lei da termodinâmica ao universo como um todo significava que ele chegaria futuramente a um estado de equilíbrio e sofreria morte térmica. Mas essa projeção aparentemente firme fez surgir uma questão ainda mais profunda: se, havendo tempo suficiente, o universo sofrerá morte térmica, então por que, se sempre existiu, não está ele agora em estado de morte térmica? Se, num período finito de tempo, o universo chegará inevitavelmente ao equilíbrio, então ele já deveria estar em equilíbrio agora, se tem existido por tempo infinito. À semelhança de um relógio mecânico, ele agora deveria estar sem corda. Uma vez que ainda não perdeu a corda, isso quer dizer, nas palavras de Richard Schlegel: “De algum modo, o universo teria de estar sem corda”.8
Ludwig Boltzman apresentou uma proposta ousada para explicar por que não encontramos o universo em estado de morte térmica ou equilíbrio termodinâmico.9 Ele sugeriu a hipótese de que o universo como um todo existe, de fato, em estado de equilíbrio, mas no decorrer do tempo ocorrem flutuações do nível de energia aqui e ali no universo inteiro, de modo que, exclusivamente por acaso, há áreas isoladas onde existe desequilíbrio. Boltzman referiu-se a essas regiões isoladas como “mundos”. Não deveríamos nos surpreender por vermos nosso mundo em estado altamente improvável de desequilíbrio, sustentava ele, uma vez que no conjunto de todos os mundos devem existir por puro acaso alguns mundos em desequilíbrio, e coincidentemente o nosso é um deles.10
O problema com a ousada hipótese de muitos mundos de Boltzman é que, se nosso mundo fosse meramente uma flutuação num mar de energia difusa, então, é esmagadoramente mais provável que deveríamos estar observando uma região de desequilíbrio muito mais tênue do que agora. Para existirmos, uma flutuação menor teria sido suficiente e muito mais provável do que uma tão grande como a do universo observável. Além disso, até mesmo uma flutuação colossal que produzisse nosso mundo instantaneamente mediante acidente gigantesco é inestimavelmente mais provável do que o declínio progressivo da entropia durante bilhões de anos para formar o mundo que vemos. De fato, caso seja adotada, a hipótese de Boltzman nos forçaria a considerar o passado como ilusório, todas as coisas tendo mera aparência de envelhecimento, e as estrelas e os planetas como ilusórios, como se fossem meras “imagens”, uma vez que essa espécie de mundo é muitíssimo mais provável, dado o estado de equilíbrio geral, do que um mundo com eventos genuínos, temporal e espacialmente distantes. Por isso, a hipótese de muitos mundos de Boltzman tem sido rejeitada universalmente pela comunidade científica e considera-se que o desequilíbrio atual seja apenas resultado de uma condição de entropia inicialmente baixa obtida misteriosamente no começo do universo.
Como vimos, a aplicação da teoria da relatividade à cosmologia tem alterado a configuração do cenário escatológico predito com base na segunda lei, mas não tem afetado materialmente o dilema fundamental. Por isso, persiste a mesma pergunta específica levantada pelos físicos clássicos: por que, se o universo sempre existiu, ele agora não está em estado frio, escuro, diluído e sem vida? Em contraste com os seus precursores do século XIX, os físicos contemporâneos têm chegado a questionar a suposição implícita de que o universo é eterno no passado. P. C. W. Davies relata:
Poucos cosmólogos, hoje, duvidam que o universo, ao menos como o conhecemos, teve origem num momento finito do passado. A alternativa — de que o universo sempre existiu de uma forma ou de outra — incorre em paradoxo um tanto básico. O sol e as estrelas não podem continuar inflamados para sempre: mais cedo ou mais tarde ficarão sem combustível e morrerão.
A mesma verdade se aplica a todo processo físico irreversível; o estoque de energia disponível no universo para acioná-los é finito e não pode durar pela eternidade. Isso é exemplo da chamada segunda lei da termodinâmica, a qual, aplicada ao cosmos inteiro, prediz que ele está emperrado em declive unidirecional de degeneração e decomposição rumo a um estado final de entropia máxima, ou de desordem. Uma vez que esse estado final ainda não foi alcançado, deduz-se que o universo não pode ter existido por um tempo infinito.11
Davies conclui: “O universo não pode ter existido para sempre. Sabemos que deve ter havido um começo absoluto num tempo finito no passado”.12
Nas décadas de 1960 e 1970, alguns cosmólogos tentaram escapar dessa conclusão pela adoção de um modelo oscilante do universo, que nunca começou a existir nem jamais atinge um estado final de equilíbrio.13 Se a atração gravitacional interna da massa do universo fosse capaz de superar a força da sua expansão, então a expansão poderia ser revertida numa contração cósmica, num big crunch. Se o universo não fosse homogêneo e isotrópico, não deveria, no processo de implosão, aglutinar-se em um ponto, mas seus conteúdos materiais poderiam passar um pelo outro, de modo que o universo pareceria se recuperar de uma contração entrando numa nova fase de expansão. Se esse processo pudesse se repetir indefinidamente, então o universo poderia ser eterno, tanto no passado como no futuro (Fig. 1).
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Radius of the universe = Raio do universo / Time = Tempo
Fig. 1: O modelo oscilante. Cada fase de expansão é precedida e sucedida por uma fase de contração, para que o universo, ao modo de um acordeão, exista sem começo e sem fim.
Tal teoria não era só extraordinariamente especulativa, mas as probabilidades desse modelo foram gravemente obscurecidas em 1970 por Roger Penrose e Stephen Hawking ao formularem os teoremas da singularidade, que foram batizados com os nomes deles.14 Os teoremas revelavam que sob muitas condições generalizadas uma singularidade cosmológica inicial (ou ponto de partida) é inevitável, mesmo para universos não homogêneos e não isotrópicos. Refletindo acerca do impacto dessa descoberta, Hawking destaca que os teoremas da singularidade Hawking-Penrose “levaram ao abandono das tentativas (principalmente pelos russos) de defender que existiu uma fase prévia de contração e uma recuperação não singular para a expansão. Em vez disso, quase todos agora acreditam que o universo, e o próprio tempo, tiveram começo no big bang”.15
Totalmente à parte dessas dificuldades, as propriedades termodinâmicas desse modelo revelaram que elas causavam exatamente o problema que seus proponentes procuravam evitar. Pois, nesse modelo, a entropia é conservada de ciclo em ciclo, cujo efeito gera oscilações mais amplas e mais longas em cada ciclo sucessivo (Fig. 2).
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Fig. 2: Modelo oscilante com aumento de entropia. Por causa da conservação da entropia, cada oscilação sucessiva tem raio e expansão de tempo maiores.
Como esclarece uma equipe científica: “O efeito da produção de entropia será ampliar a escala cósmica de ciclo em ciclo [...] Assim, examinando-se o tempo retroativamente, cada ciclo gerou menos entropia, teve um ciclo temporal mais curto e um fator de expansão do ciclo menor do que o do ciclo que o sucedia”.16 Logo, à proporção que são rastreadas retrospectivamente no tempo, as oscilações tornam-se progressivamente menores até que se alcance a primeira e menor de todas as oscilações. Zeldovich e Novikov, portanto, concluem: “O modelo de múltiplos ciclos tem um futuro infinito, mas somente um passado finito”.17 De fato, o astrônomo Joseph Silk estima, com base nos níveis atuais de entropia, que o universo não pode ter passado por mais de cem oscilações anteriores.18
Mesmo que essa dificuldade fosse evitada, um universo oscilando desde a eternidade passada exigiria um ajuste infinitamente preciso das condições iniciais para conseguir persistir ao longo de um número infinito de recuperações sucessivas. Um universo ricocheteando de uma contração única e infinitamente longa é, se a entropia aumenta durante a fase de contração, termodinamicamente insustentável e incompatível com a baixa entropia da condição inicial da nossa fase de expansão. Postular a diminuição da entropia durante a fase de contração apenas para escapar desse problema exigiria que postulássemos condições de baixa entropia especialmente inexplicáveis no momento da recuperação na vida de um universo infinitamente evolutivo. Em ambos os casos, um universo assim envolveria um ajuste fino radical de tipo especialíssimo, uma vez que as condições iniciais estão estabelecidas em menos infinito.19
Para evitar a inferência de que o universo não existe eternamente é, portanto, indispensável encontrar algum modo cientificamente plausível que derrube as predições da escatologia física para permitir que o universo retorne finalmente a uma condição jovem, como a que observamos. Mas parece que não vai surgir nenhum cenário realista e plausível.
Por exemplo, o cosmólogo russo Andrei Linde já propôs que o modelo de um universo que se inflaciona eternamente para o futuro deve também se estender infinitamente para o passado, o resultado dessa proposta sendo que assim se evita o começo do universo. Modelos inflacionários representam a tentativa de explicar a extraordinária homogeneidade e isotropia em larga escala do universo. Os teóricos têm proposto que entre 10-35 e 10-33 segundos após a singularidade do big bang, o universo passou por uma fase de expansão superrápida, ou inflacionária, que serviu para empurrar a falta de homogeneidade para fora do nosso horizonte de evento.20 Na maioria dos modelos inflacionários, ao se extrapolar o retrocesso no tempo para antes da Era Inflacionária, o universo continua a encolher até uma singularidade cosmológica inicial. A teoria inflacionária, apesar de criticada por alguns cosmólogos como indevidamente “metafísica”, é aceita de modo geral entre os cosmólogos. No Modelo Inflacionário Caótico de Linde, a inflação nunca termina: cada domínio inflacionado do universo, ao alcançar certo volume, dá origem, via inflação, a outro domínio, e assim por diante, ad infinitum (Fig. 3).21
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Fig. 3: Modelo inflacionário caótico. O universo mais amplo produz, via inflação, domínios separados que continuam a perder-se um do outro à medida que o universo mais amplo se expande.
O modelo de Linde tem, portanto, um futuro infinito. Mas Linde perturba-se diante da possibilidade de um começo absoluto e escreve: “O aspecto mais difícil desse problema não é a existência da singularidade em si, mas a questão sobre o que existia antes da singularidade [...] Esse problema situa-se em algum ponto da fronteira entre a física e a metafísica”.22 Por isso, ele propôs que a inflação caótica não somente não tem fim, mas também não tem começo. Cada domínio no universo é produto da inflação de outro domínio, de modo que a singularidade é evitada e, com isso, evita-se também a questão acerca do que veio antes (ou, mais precisamente, do que a causou). Talvez fosse possível esclarecer o aspecto jovem do universo observável postulando-se uma regressão infinita de domínios inflacionários anteriores.
Entretanto, em 1994, Arvind Borde e Alexander Vilenkin mostraram que um universo eternamente inflacionário rumo ao futuro não pode ser geodesicamente completo no passado; isso significa que é indispensável que tenha existido uma singularidade inicial em algum ponto do passado indefinido. Eles escrevem:
Um modelo no qual a fase inflacionária não tem fim [...] leva naturalmente à pergunta: seria possível estender também esse modelo ao passado infinito, evitando-se assim o problema da singularidade inicial?
[...] isso, na verdade, não é possível em espaços-tempos inflacionários com futuro eterno, uma vez que obedecem a algumas condições físicas razoáveis; tais modelos têm indispensavelmente de possuir singularidades iniciais.
[...] o fato de os espaços-tempos serem preteritamente incompletos força que se lide com a questão acerca do que, mais precisamente, veio antes.23
Como resposta, Linde concordou com a conclusão de Borde e Vilenkin: é indispensável que tenha havido a singularidade do big bang em algum ponto do passado.24
Em 2001, Borde e Vilenkin, em cooperação com Alan Guth, conseguiram fortalecer o teorema deles elaborando um novo teorema independente da hipótese da chamada “condição de energia fraca”, que os partidários da inflação com passado eterno teriam negado, em esforço para salvar sua própria teoria.25 O novo teorema, nas palavras de Vilenkin, “parece fechar totalmente a porta”.26 Assim, espaços-tempos inflacionários com futuro eterno não podem ter passado eterno: eles têm de envolver limites iniciais e, portanto, um começo absoluto do universo. Vilenkin é inflexível:
Costuma-se dizer que argumento é aquilo que convence os homens racionais, e prova é o que consegue convencer até o homem irracional. Com a prova agora no lugar, os cosmólogos não podem mais se esconder atrás da possibilidade de um universo com passado eterno. Não há como fugir, eles têm de encarar o problema de um começo cósmico.27
Em busca de uma alternativa, alguns teóricos especulam que, no futuro, o universo deverá passar por um tunelamento quântico que levará a um estado radicalmente novo. Por exemplo, se atualmente o universo estivesse em estado de falso vácuo sofreria no final um efeito túnel que o levaria a um estado de vácuo com baixa energia (Fig. 4).
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Fig. 4. Se for achado atualmente em estado de falso vácuo, o universo passará posteriormente por um efeito túnel que o levará a um estado de vácuo verdadeiro, o que resultará em metamorfose da natureza.
Na passagem por essa fase de transição, os valores de todas as constantes físicas mudariam e surgiria um universo totalmente novo. Talvez fosse possível levantar a hipótese de que, caso tal transição ocorresse em algum ponto do passado finito após um lapso infinito de tempo, isso daria ao universo sua aparência jovem.
Mesmo que essa transição tivesse acontecido, a probabilidade de os valores de todas as constantes se reduzirem a uma variação estreita e inimaginável que permitisse a existência da vida é quase nula (um elemento das discussões sobre o ajuste fino cósmico28). Por isso, é altamente improvável que a nossa constelação de constantes físicas que permitem a existência da vida seja o resultado acidental de uma fase de transição de um estado de vácuo com nível mais alto cerca de 13 bilhões de anos atrás. Pior, ainda que existisse qualquer probabilidade diferente de zero de um estado metaestável tunelar para um estado de vácuo real, então, considerando-se o tempo passado infinito, isso já deveria ter ocorrido num passado infinitamente distante, não somente 13,5 bilhões de anos atrás. Assim, mais uma vez torna-se inexplicável por que o universo ainda não está morto.
Especulações sobre as possibilidades de nosso universo gerar futuros “universos-filhos” também são levantadas nas discussões escatológicas. Conjectura-se que talvez os buracos negros sejam portais de buracos de minhoca através dos quais bolhas de energia de vácuo podem tunelar para desovar novos universos-filhos em expansão, cujos cordões umbilicais para o nosso universo sejam rompidos futuramente quando os buracos de minhoca se fecharem, deixando o universo-filho existir independentemente como espaço-tempo (Fig. 5).
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Fig. 5. Um universo-filho desovado pelo seu universo-mãe torna-se depois um espaço-tempo desconectado e causalmente isolado.
Talvez seja possível imaginar que o nosso universo observável seja apenas um dos descendentes recém-nascidos de um universo pré-existente e infinitamente velho.
A conjectura sobre a possibilidade de nosso universo gerar descendentes futuros por meio desse mecanismo foi o alvo de uma aposta entre Stephen Hawking e James Preskill, em razão da qual, em 2004, Hawking finalmente admitiu, em evento bastante divulgado pela mídia, que tinha perdido.29 A conjectura requer que a informação trancada num buraco negro perca-se totalmente para sempre ao escapar para outro universo. Um dos últimos a entregar os pontos, Hawking finalmente concordou que a teoria quântica exige que a informação seja preservada na formação e evaporação do buraco negro. As implicações? “Não há nenhum universo-filho se ramificando, conforme se pensava antes. A informação continua firmemente em nosso universo. Lamento desapontar os fãs de ficção científica, mas, se a informação for preservada, não há nenhuma possibilidade de usar os buracos negros para viajar para outros universos”.30 Mesmo que Hawking estivesse errado sobre isso, a pergunta persiste: seria possível tal cenário escatológico ser extrapolado com sucesso para o passado, de modo que nosso universo seja um dos universos-filhos desovados pelo universo-mãe ou por uma série infinita de ancestrais? Parece que não, pois, embora esses universos-filhos pareçam buracos negros aos observadores no universo-mãe, o observador no próprio universo-filho verá o big bang como um buraco branco jorrando energia. Isso está em gritante contraste com a nossa observação do big bang como um evento de baixa entropia com estrutura geométrica altamente reprimida. E, mais uma vez, não está claro o que salva a sequência infinita de descendentes cósmicos da consequência da segunda lei da termodinâmica.
Uma vez que essas conjecturas especulativas não conseguem esclarecer o problema, parece que somos deixados com a conclusão de que o universo não é eternamente passado. O big bang representa o começo absoluto do universo, exatamente como se dá no modelo padrão do big bang; e a baixa entropia foi simplesmente uma condição inicial.
De fato, a termodinâmica pode oferecer boas razões para ratificar a realidade da origem singular do espaço-tempo postulada pelo modelo padrão. Roger Penrose declara: “Cheguei gradualmente à visão de que é realmente equivocado requerer que as singularidades do espaço-tempo da relatividade clássica devam desaparecer quando as técnicas padrão da teoria do (campo) quântico são aplicadas a elas”.31 Pois, se a singularidade cosmológica inicial for removida, então “devíamos ter perdido o que me parece ser a melhor possibilidade que temos para explicar o mistério da segunda lei da termodinâmica”.32 O que Penrose tem em mente é o fato notável de que, à medida que se retrocede no tempo, a entropia do universo decresce invariavelmente. O quanto isso é incomum pode ser demonstrado pela fórmula Bekenstein-Hawking para a entropia de um buraco negro estacionário. A entropia total observada do universo é 1088. Considerando-se que há cerca de 1080 bárions no universo, a entropia observada por bárion tem de ser considerada extremamente pequena. Por contraste, num universo em desintegração, a entropia perto do final seria 10123. A comparação desses dois números revela quão absurdamente pequeno é 1088 comparado ao que devia ter sido. Assim, a estrutura do big bang deve ter sido gravemente reprimida para que essa termodinâmica, como a conhecemos, tenha aumentado. Portanto, como é possível explicar essa condição inicial especial? De acordo com Penrose, precisamos da singularidade cosmológica inicial para fornecer a coerção sobre a geometria inicial cujo efeito produz um estado de entropia muito baixa. Em comparação com uma teoria simetricamente temporal e livre de singularidade, deveríamos ter buracos brancos jorrando material, em contradição tanto com a segunda lei da termodinâmica quanto com a observação.33 Penrose apresenta a seguinte figura para ilustrar a diferença:
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Universe “as we know it” = O universo “como o conhecemos”
A “more probable universe” = Um “universo mais provável”
Fig. 6. Contraste do universo como o conhecemos (considerado fechado, por conveniência) com um universo mais provável. Em ambos os casos, o big crunch é singularidade com entropia alta (~10123), complicada e não reprimida. Na figura à esquerda, o big bang é singularidade inicial com entropia baixa (<1088), altamente reprimida, ao passo que a imagem à direita mostra um big bang não reprimido e muito mais provável. As “estalactites” representam as singularidades dos buracos negros, e as “estalagmites” representam as singularidades dos buracos brancos.
Se removermos a singularidade cosmológica inicial, “deveremos estar de volta ao ponto em que estávamos em nossas tentativas para entender a origem da segunda lei”.34
Poderia a geometria especial inicial ter surgido bruscamente por acaso na ausência de uma singularidade cósmica? A resposta de Penrose é decisiva: ele calculou que, visando a uma fase espacial cujas regiões representam a semelhança de várias configurações possíveis do universo, “a precisão do alvo do Criador” teria de ter sido a de uma parte em 1010(123) para que nosso universo exista.35 Ele comenta: “Não me lembro de ter visto na física nada cuja precisão conhecida se aproxime, nem mesmo remotamente, de uma cifra como a de uma parte em 1010(123)”.36 Assim, a singularidade cosmológica inicial talvez tenha uma necessidade termodinâmica virtual.
A consequência disso, nas palavras de Davies, é que, mesmo não gostando, temos de afirmar, com base nas propriedades termodinâmicas do universo, que a condição de entropia baixa do universo foi de algum modo simplesmente “introduzida” na criação como uma condição inicial.37 Antes da criação, diz Davies, o universo simplesmente não existia.
Essa conclusão tem implicações metafísicas profundas, porque o começo do universo é o ponto em que ele literalmente passou a existir. O universo não foi uma transição do nada para alguma coisa, antes, ao contrário, passou a existir absolutamente. Mas, se existe uma impossibilidade metafísica, é a de algo passar a existir absolutamente sem uma causa. Existência procede apenas de existência. Portanto, é indispensável que haja causalmente antes (senão temporalmente antes) do big bang uma causa extramundana para o universo.
Tal causa deve transcender o espaço físico e o tempo e, portanto, ser imaterial, não física. Visto que as únicas entidades imateriais que conhecemos são mentais ou objetos abstratos (como números), e como estes não se enquadram em relações causais, é plausível que a causa do universo seja uma mente ou uma pessoa incorpórea que criou o universo. Assim, a própria escatologia física propicia os fundamentos para a crença na existência exatamente do tipo de agente capaz de alterar as projeções da escatologia física.
O naturalista pode insistir que não temos razões suficientes para entender que um Criador pessoal interviria no mundo natural para evitar as consequências ao rumo das quais o universo tende. Porém, a escatologia cristã está inextricavelmente ligada à pessoa de Jesus de Nazaré: a sua ressurreição física é o arauto não apenas da nossa própria ressurreição escatológica, mas de um tipo de ressurreição cósmica também (Rm 8.19-23). A esperança escatológica cristã baseia-se, portanto, na realidade histórica da ressurreição de Jesus.
Talvez, fora do campo dos estudos do Novo Testamento, não se valorize o quão impressionante são as credenciais históricas desse evento extraordinário.38 Hoje, a maioria dos historiadores de Novo Testamento que escrevem sobre esse tópico concorda que (1) Jesus de Nazaré foi executado por crucificação sob a autoridade romana; (2) em seguida, o cadáver de Jesus foi depositado num túmulo por José de Arimateia, membro do Sinédrio judaico; (3) na manhã do domingo seguinte à crucificação, o túmulo de Jesus foi encontrado vazio por um grupo de suas seguidoras; (4) depois disso, diferentes indivíduos e grupos de pessoas, em variada gama de circunstâncias, vivenciaram aparições de Jesus vivo; e (5) os primeiros discípulos passaram a crer súbita e sinceramente que Deus ressuscitara Jesus dos mortos, a despeito da forte predisposição deles ao contrário. Embora esses pontos jamais estejam livres de contestação, representam de fato a visão majoritária.
A pergunta remanescente é: como esses fatos são mais bem explicados? Vimos razão para entender que existe um Criador transcendente e pessoal do universo. Sob essa luz, pode-se alegar plausivelmente que — quando investigado por critérios padronizados tais como capacidade explanatória, escopo explanatório, plausibilidade, e assim por diante, a hipótese da ressurreição (ou seja, “O Deus de Israel ressuscitou Jesus dos mortos”) vem à tona como a melhor explicação.39 Se assim for, o prospecto de um retorno escatológico de Cristo para inaugurar plenamente o Reino de Deus, com um novo céu e uma nova Terra, não pode ser descartado como mera mitologia.
Com relação a isso, há um último ponto que merece ser discutido. Não há dúvida de que uma das principais dificuldades apresentadas pela escatologia cristã é que parece inacreditável que no ano que vem, digamos, ou na próxima terça-feira o universo seja eliminado com o retorno de Cristo e o Dia do Juízo. Os crentes do Novo Testamento já enfrentavam tais expressões de incredulidade. Na segunda epístola de Pedro, lemos que os escarnecedores diziam: “Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação” (2Pe 3.4). O que esses escarnecedores não sabiam nem podiam entender é que a escatologia física contém em si mesma seu próprio cenário apocalíptico de iminente destruição universal. Já mencionei antes que o universo está atualmente suspenso em falso estado de vácuo metaestável; portanto, em algum ponto no futuro, ele será inevitavelmente tunelado para um estado mais baixo de energia, trazendo consigo uma completa metamorfose da natureza. Por ser uma fase de transição quântica indeterminada, esse tunelamento é imprevisível e poderia acontecer, nas palavras de Adams e Laughlin, “praticamente a qualquer momento, tão logo quanto amanhã”.40 Nessas regiões de transição, vácuo verdadeiro começará a formar-se por todos os lugares do universo, semelhante ao modo como o gelo se forma na superfície de uma lagoa, exceto que nesse caso as regiões de vácuo verdadeiro se deslocarão através do universo com velocidade fantástica, próxima à da luz. Adams e Laughlin descrevem esse apocalipse cósmico com as seguintes palavras:
Silenciosamente e sem nenhum aviso de qualquer tipo, ele chegou. Toda estrutura cósmica devastada por ele quedou-se desincorporada e desfigurada no seu rastro. A destruição foi pavorosa, tanto por sua terrível velocidade como pela sua devastação total.
A onda de choque começou num ponto particular, mas indistinto do espaço-tempo, e em seguida propagou-se com velocidade ofuscante, aproximando-se rapidamente da velocidade da luz. A bolha em expansão sorveu assim uma parte ainda maior do universo. Por causa de sua velocidade fenomenal, a onda de choque colidiu sem aviso prévio contra regiões do espaço. Nenhum sinal de luz, ondas de rádio ou comunicação causal de qualquer tipo poderia escapar da vanguarda galopante e dar aviso da destruição iminente. Providências eram tão impossíveis quanto inúteis.
No interior da bolha, as leis da física e, portanto, o próprio caráter do universo foram completamente transformados. Os valores das constantes físicas, as potências das forças fundamentais e as massas das partículas elementares eram todos diferentes. Novas leis de física governavam nesse cenário de Alice no País das Maravilhas. O velho universo, com sua antiga versão das leis da física, simplesmente deixou de existir.
Essa morte e destruição do velho universo poderiam ser vistas como motivo de preocupação. Por outro lado, o curso natural desses eventos poderia ser visto como motivo de comemoração. Dentro da bolha, com suas novas leis de física e as decorrentes novas possibilidades de complexidade e estrutura, o universo atingiu um novo começo.41
Quando li a passagem escrita por esses dois cientistas físicos acerca do avultoso apocalipse da escatologia física, não pude deixar de me lembrar da admoestação escrita pelo apóstolo Pedro concernente aos escarnecedores de seus dias:
Mas vós, amados, não ignoreis uma coisa: um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos, como um dia. O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a considerem demorada. Mas ele é paciente convosco e não quer que ninguém pereça, mas que todos venham a se arrepender. Contudo, o dia do Senhor virá como ladrão, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, queimando, se dissolverão, e a terra e as obras que nela há serão descobertas.
Se todas essas coisas serão assim destruídas, que tipo de pessoas deveis ser? Pessoas que vivem em santidade e piedade, aguardando e esperando ansiosamente a vinda do dia de Deus; por causa desse dia, os céus se dissolverão pelo fogo, e os elementos, ardendo, derreterão. (2Pe 3.8-13)
Os paralelos entre os apocalipses teológico e físico do final dos tempos são chocantes e inequívocos: uma metamorfose completa e universal da natureza, súbita, sem aviso, como ladrão à noite, inevitável, dando origem a novos céus e nova Terra, um universo renovado. Entretanto, diferentemente de Adams e Laughlin, o autor de 2Pedro sugere realmente que façamos algo em preparação para a transformação cósmica que devastará a velha ordem: uma vez que os que pertencem ao Senhor serão parte do mundo por vir, essa perspectiva futura deve afetar o modo como vivemos a vida presente.
Nesse ponto, por favor, não me entenda mal: não estou sugerindo jamais que a passagem lida em 2Pedro seja a descrição poética de uma iminente fase de transição quântica do universo. Antes, o que estou querendo dizer muito despretensiosamente é que, se a escatologia física envolve predições de juízo final apocalíptico que poderiam ocorrer amanhã, não deveríamos, portanto, rechaçar semelhantes predições de destruição escatológica iminente feitas pela teologia simplesmente com base na sua imprevisão e impressionante diversidade.
Em comparação com as projeções da escatologia física, a plausibilidade da escatologia cristã está, portanto, ligada inerentemente à ontologia do indivíduo. Se, como a própria escatologia física insinua, existe um agente pessoal e transcendente que criou o universo e todas as suas leis naturais e condições de delimitações e se esse agente ressuscitou dos mortos a Jesus de Nazaré, o qual prometeu seu retorno escatológico, então é altamente racional acalentar “a bem-aventurada esperança” da escatologia cristã, ao mesmo tempo em que se aceitam as descobertas da escatologia física como projeções mais ou menos exatas fundamentadas nas condições atuais.

 Notas
1 P. J. Zwart, About Time (Amsterdam: North-Holland, 1976), p. 136.
2 Beatrice Tinsley, “From Big Bang to Eternity?”, Natural History Magazine, outubro de 1975, p. 103.
3 Duane Dicus, et al., “The Future of the Universe”, Scientific American (março de 1983), p. 99.
4 Tinsley, “Big Bang”, p. 105.
Bertrand Russell, “A Free Man’s Worship”.
6 Freeman J. Dyson, “Time without End: Physics and Biology in an Open Universe”, Reviews of Modern Physics 51 (1979): 447.
7 Ver Lawrence M. Krauss e Glenn D. Starkman, “Life, the Universe, and Nothing: Life and Death in an Ever-Expanding Universe”, Astrophysical Journal 531 (2000): 220-230.
8 Richard Schlegel, “Time and Thermodynamics”, in The Voices of Time,org. J. T. Fraser (Londres: Penguin, 1968), p. 511.
Ludwig Boltzmann, Lectures on Gas Theory, trad. Stephen G. Brush (Berkeley: University of California Press, 1964), ?90 (pp. 446-448).
10 Para uma reprise contemporânea e fascinante da hipótese de Boltzmann e da discussão de seu principal ponto fraco, ver Lin Dyson, Matthew Kleban, e Leonard Susskind, “Disturbing Implications of a Cosmological Constant”, http://archiv.org/abs/hep-th/0208013v3 (14 de novembro de 2002). O ponto de partida deles é o argumento de Henri Poincare segundo o qual, numa caixa fechada de partículas em movimento aleatório, qualquer configuração de partículas, por mais improvável que seja, reaparecerá posteriormente, desde que se dê tempo suficiente; dado tempo infinito, cada configuração reaparecerá infinitamente muitas vezes. Evitando uma perspectiva global em favor de uma restrição à nossa porção causalmente conectada do universo, eles defendem a inevitabilidade das recorrências de Poincare, permitindo ao processo de cosmogonia começar novamente. “A questão, portanto, é se o universo pode ser uma flutuação ocorrendo naturalmente ou se ele se deve a um agente externo que põe o sistema em marcha num estado específico de baixa entropia” (Ibid., p. 4). Eles reconhecem que a fraqueza central da hipótese da flutuação é a existência de “meios muito mais prováveis para a criação de ambientes vivos (‘antropicamente aceitáveis’)” do que os que se iniciam em condição de baixa entropia. Ver ainda a nota 37 abaixo.
11 Paul Davies, “The Big Bang - And Before”, The Thomas Aquinas College Lecture Series, Thomas Aquinas College, Santa Paula, Calif., março de 2002.
12 Paul Davies, “The Big Questions: In the Beginning”, ABC Science Online, entrevista com Phillip Adams, http://aca.mq.edu.au/pdavieshtml.
13 Ver, por exemplo, E. M. Lifschitz e I. M. Khalatnikov, “Investigations in Relativist Cosmology”, Advances in Physics 12 (1963): 207.
14 R. Penrose, “Gravitational Collapse and Space-Time Singularities”, Physical Review Letters 14 (1965): 57-59; S. W. Hawking e R. Penrose, in The Large-Scale Structure of Space-Time, org. S. W. Hawking e G. F. R. Ellis (Cambridge: Cambridge University Press, 1973), p. 266.
15 Stephen Hawking e Roger Penrose, The Nature of Space and Time, The Isaac Newton Institute Series of Lectures (Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1996), p. 20.
16 Duane Dicus, et al., “Effects of Proton Decay on the Cosmological Future”, Astrophysical Journal 252 (1982): 1, 8.
17 I. D. Novikov e Ya. B. Zeldovich, “Physical Processes near Cosmological Singularities”, Annual Review of Astronomy and Astrophysics 11 (1973): 401-402.
18 Joseph Silk, The Big Bang,2.ed. (São Francisco: W. H. Freeman, 1989), pp. 311-312.
19 George Ellis destaca que “os problemas estão relacionados: primeiro, as condições iniciais têm de ser estabelecidas de maneira extremamente especial no começo da fase de colapso para que seja uma desintegração do universo aos moldes de Robertson-Walker; e essas condições devem ser definidas de modo não causal (no passado infinito). É possível, mas ocorre um grande volume de ajustes finos inexplicáveis: de que maneira a matéria, em lugares amplamente separados e causalmente desvinculados, no começo do universo, sabe correlacionar seus movimentos (e densidades) de sorte que eles se reúnam corretamente de modo espacialmente homogêneo no futuro?? Em segundo lugar, se compreendida corretamente, a fase de colapso é instável, com perturbações crescentemente velozes, de maneira que resta somente uma fase de colapso precisamente ajustada próxima a Robertson-Walker, mesmo que tenha se iniciado desse modo, e será capaz de mudar de direção como um todo (em geral, muitos buracos negros serão formados localmente e se desintegrarão numa singularidade)” (G. F. R. Ellis a James Sinclair, 25 de janeiro de 2006). Ellis, então, pergunta de modo incisivo: “Quem orientou o colapso com tanta precisão que ele faz meia-volta perfeitamente?”.
20 A. Guth, “Inflationary Universe: A Possible Solution to the Horizon and Flatness Problems”, Physical Review D 23 (1981): 247-256.
21 Ver, por exemplo, A. D. Linde, “The Inflationary Universe”, Reports on Progress in Physics 47 (1984): 925-86; idem, “Chaotic Inflation”, Physics Letters 1298 (1983): 177-81. Para uma resenha crítica sobre cenários inflacionários, inclusive o de Linde, ver John Earman e Jesus Mosterin, “A Critical Look at Inflationary Cosmology”, Philosophy of Science 66 (1999): 1-49.
22 Linde, “Inflationary Universe”, p. 976.
23 A. Borde e A. Vilenkin, “Eternal Inflation and the Initial Singularity”, Physical Review Letters 72 (1994): 3305, 3307.
24 Andrei Linde, Dmitri Linde e Arthur Mezhlumian, “From the Big Bang Theory to the Theory of a Stationary Universe”, Physical Review D 49 (1994): 1783-1826.
25 Arvind Borde, Alan Guth e Alexander Vilenkin, “Inflation Is Not Past-Eternal”, http://arXiv:gr-qc/0110012v1 (01 de outubro de 2001): 4. O artigo foi atualizado em janeiro de 2003.
26 Alexander Vilenkin, “Quantum Cosmology and Eternal Inflation”, http://arXiv:gr-qc/0204061v1 (18 de abril de 2002): 10.
27 Alex Vilenkin, Many Words in One: The Search for Other Universes (Nova Iorque: Hill and Wang, 2006), p. 176.
28 Ver meu artigo “Design and the Anthropic Fine-Tuning of the Universe”, in God and Design: The Teleological Argument and Modern Science, org. Neil Manson (Londres: Routledge, 2003), pp. 178-199.
29 Para um relato de primeira mão, ver o website de James Preskill: www.theory.caltech.edu/~preskill/jp-24jul04.html.
30 S. W. Hawking, “Information Loss in Black Holes”, http://arXiv:hep-th/0507171v2 (15 de setembro de 2005): 4.
31 Roger Penrose, “Some Remarks on Gravity and Quantum Mechanics”, in Quantum Structure of Space and Time, org. M. J. Duff e C. J. Isham (Cambridge: Cambridge University Press, 1982), p. 4.
32 Ibid., p. 5.
33 Hawking e Penrose, Nature of Space and Time, p. 130.
34 Penrose, “Remarks on Gravity”, p. 5.
35 Roger Penrose, “Time-Asymmetry and Quantum Gravity”, in Quantum Gravity 2, org. C. J. Isham, R. Penrose e D. W. Sciama (Oxford: Clarendon Press, 1981), p. 249; cf. Hawking e Penrose, Nature of Space and Time, pp. 34-5.
36 Penrose, “Time-Asymmetry”, p. 249.
37 P. C. W. Davies, The Physics of Time Asymmetry (Londres: Surrey University Press, 1974), p. 104. Dyson, Kleban e Susskind (ver nota 10 acima) respondem a esse tipo de sugestão assim: “Outra possibilidade é que um agente desconhecido interferiu na evolução e por razões próprias recomeçou o universo num estado de inflação característica de baixa entropia. Todavia, nem isso desfaz a irritante teoria das recorrências. Apenas a primeira ocorrência evoluiria de maneira a ser consistente com as expectativas usuais” (Dyson, Kleban e Susskind, “Disturbing Implications of a Cosmological Constant”, pp. 20-21). Mas, ao afirmarem isso, eles desconstruíram a hipótese. A hipótese não era a de um agente externo que “recomeçou” o universo, mas a de “um agente externo que põe o sistema em marchanum estado específico de baixa entropia” (Ibid., p. 4). Nessa condição, “algum agente desconhecido deu início à inflação no máximo de seu potencial, e o resto da história todos já sabem” (Ibid., p. 2). Nessa hipótese, sequer aparecem os problemas de recorrência. Em contraste, Dyson, Kleban e Susskind são finalmente levados a sugerir que “talvez a única conclusão racional é a de que não vivemos num mundo com uma constante cosmológica verdadeira” (Ibid., p. 21), hipótese desesperada que contraria frontalmente as evidências.
38 Ver William Lane Craig, Assessing the New Testament Evidence for the Historicity of the Resurrection of Jesus (Lewiston, N.Y.: Edwin Mellen, 1989); N. T. Wright, the Resurrection of the Son of God (Londres: SPCK, 2003).
39 Para uma aplicação ilustrativa desses critérios às hipóteses rivais, ver William Lane Craig e Gerd Lüdemann, Jesus’ Resurrection: Fact or Figment?, org. Paul Copan e Ronald Tacelli (Downer’s Grove, Ill.: Inter-Varsity Press, 2000).
40 Fred C. Adams e Gregory Laughlin, “A Dying Universe: the Long-Term Fate and Evolution of Astrophysical Objects”, Reviews of Modern Physics 69:2 (1997): 364.
41 Fred Adams e Greg Laughlin, The Five Ages of the Universe (Nova Iorque: Free Press, 1999), p. 154.




Originalmente publicado como: “The End of the World”. Texto disponível na íntegra em http://www.reasonablefaith.org/the-end-of-the-world.
Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Djair Dias Filho.

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