Dúvidas sobre o cristianismo


Caro Dr. Craig,
Tenho 30 anos e graduei-me em Filosofia pela Universidade de Kentucky (EUA); sou cristã desde os quatro anos de idade. Alguns anos atrás li o livro The Case for Christ [Em defesa de Cristo], de Lee Strobel, e fiquei muito impressionada. Considero-o uma grande ferramenta para testemunhar.
Escrevo-lhe porque estou começando a vacilar na minha fé. Começou com minha melhor amiga, que ardia de amor por Deus, no entanto, quanto mais literatura secular ela lia e quanto mais era exposta aos notórios problemas internos do cristianismo, mais cética se tornava. Especialmente difícil para ela é tentar crer que alguém altruísta, correto, moralmente bom, que não acredita em Jesus vá para o inferno, enquanto o cristão carnal que serve a Cristo e aos outros sem inteireza de coração vá para o céu. No meu caso, sinto-me muito angustiada por causa de alguns de meus amigos agnósticos, e por um de modo especial, o qual me jura que, se soubesse, faria o que Deus queria; mas por que razão haveria Deus de permitir que o cristianismo não fizesse o menor sentido para ele Meu amigo não acha justo que Deus o tenha criado de tal maneira que ele seja lançado no inferno à revelia, sabendo que lhe seria muito difícil crer nele.
Quando minha melhor amiga me falou da luta que enfrentava, pensei tratar-se apenas de uma fase e comecei a pensar que livros poderia lhe recomendar. Mas, então, fui atingida por algo em que jamais havia realmente cogitado: e se o cristianismo não fosse de fato verdadeiro?
Na minha intuição, o cristianismo ainda é verdadeiro, mas preciso muitíssimo de seu socorro — alguém sabidamente detentor de fé vigorosa e também de bagagem filosófica. Que conselho poderia dar a mim, a minha melhor amiga e aos incrédulos que conhecemos para esclarecer o cristianismo e reacender a nossa fé? Meu pai, ex-pastor, sugere que se leia a Bíblia e que se diga aos incrédulos para aguardarem o chamado da parte de Deus. Mas fiquei pensando o que diria o senhor sobre tudo isso?
Qualquer auxílio/encorajamento que possa nos dar sobre por que o cristianismo é o único caminho verdadeiro seria imensamente bem-vindo.
Obrigada.
Natalie


Resposta Dr. Craig:


Cara Natalie,

Sua carta repleta de considerações penetrantes suscita todo um emaranhado de questões profundas que precisam ser esclarecidas, se quisermos esclarecer sua indagação.
Em primeiro lugar, seu comentário de que jamais cogitara antes a possibilidade de o cristianismo não ser verdadeiro me sugere que você está se movendo da fé meramente herdada de sua infância para a fé adulta, verdadeiramente toda sua. Esse processo pode ser dolorosíssimo, mas é de fato uma parte importante do amadurecimento espiritual, Portanto, não fique angustiada, pois é algo pelo qual você precisa passar.
Em segundo lugar, atribua aos fatos a proporção que lhes é devida. Percebo que, quando as pessoas lutam com as dúvidas, estas podem crescer de forma muito desproporcional, a ponto de o sistema de crença do indivíduo tornar-se parecido mais com aqueles mapas do mundo que mostram o tamanho do país de acordo com sua riqueza econômica, e não de acordo com a área geográfica. As dúvidas assumem lugar desproporcional no sistema de crenças da pessoa. Lembre-se: aquilo que procuramos é uma visão de mundo com as menores dificuldades, não com nenhuma dificuldade. Você está familiarizada com o livro The Case for Christ [Em defesa de Cristo], de Lee Strobel. Toda a evidência que ele apresenta no livro foi realmente neutralizada pelas dificuldades levantadas por seus amigos? Ou será que as dificuldades que seriam geradas pela rejeição da evidência são maiores do que as dificuldades levantadas por seus amigos? Tome cuidado para que as dificuldades levantadas por seus amigos não assumam um peso desproporcional em todo o sistema de coisas.
Em terceiro lugar, pense na alegação de que o cristianismo não é verdade. O cristianismo é uma visão de mundo multifacetada. Portanto, pergunte-se que faceta do sistema de fé está ameaçada pelas dificuldades com as quais você está lutando? A de que Deus existe? É isso que terá de abandonar caso as objeções de seus amigos sejam válidas? A de que Jesus ressuscitou dos mortos? É essa a crença desafiada pelas objeções deles? Não se parece com isso? Pelo visto, o problema com o qual você está pelejando é a doutrina do particularismo ou do exclusivismo cristão, a qual sustenta que a salvação só está disponível por meio de Cristo. Mesmo aqui, o cristão particularista tem um leque de opções dentre as quais pode escolher, desde o universalismo, passando por vários tipos de inclusivismo até o rígido restritivismo. Neste sítio da Internet, você encontrará amplas fontes que lidam com o problema (veja “Scholarly Articles: Christian Particularism” [Artigos acadêmicos: Particularismo cristão] ou “Popular Articles: How Can Christ Be the Only Way to God?” [Artigos populares: Como é possível que o cristianismo seja o único caminho para Deus?]). Se a objeção de sua amiga estiver certa, qual dessas opções você teria de adotar? Todas são compatíveis com a existência de Deus, com a encarnação, com a expiação substitutiva de Jesus. Portanto, em que sentido o cristianismo não é verdadeiro, caso as objeções de sua amiga estejam certas?
Por isso, é importante que, ao se considerar uma objeção ao cristianismo, esclareçamos com exatidão que faceta da visão de mundo cristã a objeção desafia. As preocupações da sua amiga são vagas demais para que vejamos o que exatamente está desafiando. Você é graduada em filosofia. Sente-se e procure formular as objeções de seus amigos como argumentos lógicos válidos e tire algumas conclusões. Depois, vá até eles e lhes pergunte: “É este o seu argumento?”. Caso seja, então, pergunte-se: “Que evidência ou prova existe para que cada premissa seja verdadeira? Foram comprovadas como verdadeiras? Que razões existem para duvidar das premissas? Que alternativas estão abertas para mim?”. Meu argumento é que, mesmo que as objeções de seus amigos fossem boas, você só precisaria fazer ajustes relativamente menores no seu sistema cristão de fé.
No entanto, vamos pensar a respeito dessas objeções. Todos nós que temos pessoas queridas e maravilhosas, porém incrédulas, podemos nos solidarizar com os sentimentos da sua amiga. Mas, ao pensarmos no que ela diz, fica evidente que não entende a salvação somente pela graça. Ninguém merece ir para o céu. Se Deus nos julgasse pelos nossos méritos, todos estaríamos condenados, não importa o quanto somos altruístas, retos e moralmente bons. Nenhum de nós tem como obter o caminho para o céu. Logo, a salvação só pode ser dádiva imerecida da graça de Deus. Deixar de apreender isso é não conseguir assimilar a própria essência do cristianismo. Portanto, quem rejeita a graça de Deus em Cristo cai no mérito pessoal, e ninguém é suficientemente bom para merecer o céu.
Quanto ao dito cristão carnal, permita-me dizer que quem diz que conhece a Cristo, mas não apresenta fruto de regeneração, não tem a mínima base para a segurança da salvação. Assim, vamos considerar que estamos falando de um crente genuíno tentando viver a vida cristã, mas que se descobre pecando repetidamente. Na visão da sua amiga, o que se espera que Deus faça com essa pessoa? Lançá-lo no inferno porque ele não atende aos padrões? É claro que não; ele é salvo pela graça mediante a fé, e não pelo seu próprio mérito. Não há dúvida de que sua amiga dirá que, se Deus há de perdoá-lo, então deveria perdoar também o incrédulo moralmente correto. Mas ele perdoa! O débito para todos os seus pecados foi pago, mas o fato é tão somente que o incrédulo idôneo rejeita o pagamento. Deus quer salvá-lo, mas o incrédulo moralmente reto recusa ser salvo. Ele rejeita a graciosa oferta de perdão por meio de Cristo da parte de Deus e assim cai em seus próprios méritos, os quais são inúteis. A despeito de sua vida direita, o incrédulo, que permanece incrédulo até a morte, demonstra que, na verdade, tem um coração que se opõe a Deus e resiste ao convencimento do Espírito Santo.
Evidentemente, refiro-me aqui aos incrédulos que têm ouvido o evangelho. Com relação ao problema daqueles que jamais o ouviram, veja os artigos referidos acima.
Vamos agora considerar a objeção de seu amigo agnóstico. A objeção dele parece ser muito mais radical e de amplo alcance. Ele culpa a Deus pela própria incredulidade. O seu raciocínio parece ser o seguinte:
1. Se Deus existisse, o cristianismo faria sentido para mim.
2. O cristianismo não faz sentido para mim.
3. Logo, Deus não existe.
(Se não for esse o seu argumento, então não sei o que ele está dizendo.)
Bem, as premissas desse argumento são verdadeiras? Uma vez que (2) é apenas o relato de primeira mão do seu estado psicológico, acho que podemos aceitá-lo pelo que é. Mas, com certeza, gostaríamos que ele nos dissesse mais. Por que o cristianismo não faz sentido para você? O que você fez a respeito disso? Que livros você tem lido? Já orou a respeito?
Esse tipo de perguntas são relevantes quando passamos a examinar a veracidade de (1). Por que considerar (1) verdadeiro? A resposta de seu amigo parece ser a de que Deus não permitiria que o cristianismo não fizesse sentido para ele, presumivelmente porque Deus o ama e quer que ele seja salvo. Nós, que não somos calvinistas, concordaremos que Deus o ama e deseja salvá-lo. Mas será que daí se deduz que Deus não permitiria que o cristianismo não fizesse sentido para ele? De modo nenhum, antes de mais nada, pode ser que, à medida que continue a estudar e a buscar o Senhor, o cristianismo venha a fazer sentido para ele. Houve uma época na qual o cristianismo não fazia sentido para mim, mas depois passou a fazer. Durante a maior parte da vida de C. S. Lewis, o cristianismo não fazia sentido para ele, mas passou a fazer sentido no momento devido. Seu amigo provavelmente é jovem e não deveria desistir de Deus tão cedo. Vivenciar um período de busca pode ser verdadeiramente bom para ele. Aqui, portanto, está o cerne da questão. Seu amigo está realmente buscando a Deus? Está estudando para entender o cristianismo? Ou a sua incredulidade seria o resultado da indiferença culpável? Estaria preso a algum tipo de pecado na sua vida, de sorte que sabe que terá de abandoná-lo? Se está realmente buscando a Deus, então chegará à fé oportunamente, por isso a premissa (2) será falsa. Se a incredulidade dele for culpável, então é resultado de seu livre-arbítrio, e (1) pode não ser verdadeira, já que Deus não passará por cima do seu livre-arbítrio.
Há ainda outras razões para se entender que (1) pode ser falsa. Nesse ponto, entra-se em questões profundíssimas concernentes ao conhecimento médio divino. Se estiver interessada em se aprofundar nisso, dê uma olhada no dvd do meu debate com Theodore Drange acerca da pergunta “Deus existe?”. Mas tenho a esperança de que já foi dito o suficiente para mostrar que não temos nenhuma boa razão para entender que (1) seja verdadeira. Portanto, o argumento não é bom.
O conselho de seu pai serve para nos recordar que a dúvida não é um problema puramente intelectual, mas tem também uma dimensão espiritual. Ao ler depoimentos de pessoas que apostataram, é impressionante como os fatores moral e espiritual têm participação. Assim, ao lidar com suas dúvidas, esteja atenta à sua própria vida espiritual: culto corporativo, oração, estudo bíblico, serviço, ofertar, etc. Reivindique a promessa de 2Pedro 1.5-11. Para trabalhar mais a solução de sua dúvida, dê uma olhada no capítulo respectivo em meu livro Hard Questions, Real Answers [Apologética para questões difíceis da vida, Vida Nova, 2010] (Crossway, 2003) ou no livro de Gary Haberma, The Thomas Factor [O fator Tomé] (Broadman & Holman, 1999). Que o Senhor a fortaleça e a prepare!
William Lane Craig
Originalmente publicada como: “Christian Doubt”. Texto disponível na íntegra em: http://www.reasonablefaith.org/christian-doubt. Traduzido por Marcos Vasconcelos. Revisado por Cristiano Camilo Lopes.

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